O perigo de brincar com coisa séria

O perigo de brincar com coisa séria

Oscar Bessi

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No meu tempo de garoto, e até mesmo quando iniciei minha carreira policial, existia o trote. Principalmente nos horários de saída das escolas. A garotada corria aos orelhões (telefones públicos) e ligava para os números de emergência, que eram gratuitos, e inventava alguma brincadeira. Muita gente precisou de socorro, naqueles tempos, tentou ligar para a Brigada Militar ou para o Corpo de Bombeiros, e encontrou as linhas ocupadas pelas brincadeiras de mau gosto. E muita criança tentou pedir socorro, de verdade, mas sua voz foi confundida com um colega seu, autor de trotes. Lembro que a Brigada Militar, naqueles tempos, já percorria as escolas tentando esclarecer os riscos de um trote. Que até adultos, desocupados, recalcados ou apenas irresponsáveis, faziam, e saíam dando gargalhadas, alheios à dor de quem realmente precisava ser atendido e não pode por causa do seu trote. Em muitos momentos se precisou adotar uma linha mais dura para que houvesse um freio na irresponsabilidade coletiva e nos seus trágicos efeitos.

O trote não existe mais. A tecnologia facilitou a identificação imediata de quem o comete e a responsabilização ficou mais fácil. Por outro lado, os orelhões quase que desaparecem, eis que praticamente todos, até as crianças, têm celulares. O telefone portátil que transmite imagens, visto somente em filmes de ficção científica da minha infância. As crianças também não correm aos orelhões ao final das aulas, correm é às redes sociais. Aos joguinhos virtuais. Quem se ocupa hoje dos trotes, modernamente apelidados de fake news, são adultos. Só que o trote atrapalhava o trabalho policial por alguns instantes, apenas. E dava prejuízo aos que precisavam de atendimento imediato e toparam com as linhas ocupadas, permanecendo em risco. A fake news é muito mais grave. Ela mexe com algo que, infelizmente, é uma limitação histórica do nosso povo: o conhecimento. Claro, quem sabe como as coisas são, e funcionam, não cai nas mentiras criadas pelas redes sociais. Não crê possível. Mas, todos nós sabemos que há décadas, ou séculos, a verdade é um bem não muito acessível no nosso país.

Há alguns dias, a Brigada Militar precisou ir às redes sociais para desmentir alertas de toque de recolher em Porto Alegre. Até falsos áudios os desocupados da Internet conseguiram montar. Infelizmente, algumas pessoas acreditaram, ficaram tensas e com medo. Voltando à coragem de tocar sua vida com normalidade apenas quando viu o patrulhamento intenso nas ruas e que tudo prosseguia como sempre foi. Agora, há que se aprimorar e endurecer a legislação para punir, com rigor extremo, quem provoca isto achando que é apenas mais um joguinho na sua Internet. Não é. São vidas. São coisas sérias que não podem virar alvo de brincadeiras. O problema dos autores dessas fake news é que, agora, não é só a Polícia que está louca para prendê-los, nem só os cidadãos comuns que estão furiosos. Traficantes, que tiveram prejuízos gigantescos com as ações policiais para garantir a paz nas comunidades afetadas pelos boatos, também estão à caça dos fakers. E se a Polícia faz apenas seu papel de cumprir a lei, o mesmo não se pode dizer de bandidos, por óbvio. E agora? Vão continuar a brincadeirinha boba? 


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