Resgate e horror

Resgate e horror

Oscar Bessi

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A execução de Clóvis Antônio Roman, agente da Superintendência dos Serviços Penitenciários, que tombou alvejado de forma covarde por criminosos enquanto cumpria o seu dever, só espanta os desavisados. E aqueles que se julgam conhecedores do mundo observando a vida real à distância, protegidos da realidade nua e crua pela tela do seu computador ou pelo conforto dos seus imponentes birôs. Se é que espanta, pois, cá entre nós, ainda creio que certas decisões e regramentos são propositais em nossa sociedade desorganizada. Clóvis foi vítima da bala criminosa, sim, mas também da falta de consciência coletiva e engajamento de verdade das instituições, num país que torna praticamente inviável a cidadania plena e a liberdade ao asfixiá-las pelo medo. Nesta bagunça jurídica e cultural, o que se assiste é o privilegiar de criminosos e a oferta de agentes da lei aos abutres sem qualquer pudor.

Vamos refletir. O bandido resgatado, a preço de muito sangue inocente, havia sido preso numa ação espetacular da Polícia gaúcha. A Brigada Militar surpreendeu em janeiro deste ano, no Vale do Taquari, o criminoso e outros cinco em plena ação, com um carregamento de quase uma tonelada de maconha. Na madrugada do último dia 7, este indivíduo, ligado ao tráfico de drogas, fingiu estar com problemas de saúde para dar início à operação de resgate que mataria o servidor penitenciário e feriria outro, além de dois funcionários da Unidade de Pronto Atendimento de Saúde (UPA) Zona Norte, em Caxias do Sul. Não foi uma ação qualquer. Os criminosos que realizaram o resgate deste detento tinham roupas similares às usadas pelos policiais civis, fuzis e sabiam exatamente que tudo daria certo a partir de uma encenação barata. Pois bastou ao preso fingir que estava doente para desencadear o bárbaro ataque. Fosse verdade seu súbito mal, e fosse o sujeito a senti-lo um pobre operário, um trabalhador brasileiro qualquer, ele teria que aguentar no osso e não receberia tratamento tão imediato.

Só que no nosso país, que há décadas se queixa da violência e reclama da impunidade – mas a ama e a adota com fervor em seu cotidiano –, se um agente da lei mandar o preso esperar, ou aguentar mais um pouco a dor que alega sentir, nossa, já uma tropa de defensores deste criminoso condenará aos berros o agente, sua instituição e o Estado. E há quem caia nessa conversa e determine apurações e punições. Será que nossa lei é isso? Uma garantidora impiedosa de direitos, mas não ao pobre cidadão comum, como a encarregada da limpeza da UPA, que, como os agentes da lei, levou tiro dos criminosos. Se não existisse essa ótica perversa de garantias primeiras aos criminosos, talvez não tivéssemos essa morte. Ou, pelo menos, não seria tão fácil abusar da benevolência do sistema para patrocinar ações de tantas máfias. 


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