Jacarezinhos e jacarezões

Jacarezinhos e jacarezões

Oscar Bessi

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Um dia, meu falecido tio Jorge Antônio me perguntou se eu sabia por qual motivo o jacaré não ia para o céu. “Boca grande”, respondi na hora. Eu era um menino de 10 anos. “Não, ele tem bracinhos curtos demais e não consegue fazer o sinal da cruz”, ele disse, e deu risada. “Boca grande é se apressar para falar e descobrir que a tua certeza era só uma impressão equivocada”, completou a minha avó, também sorrindo. Essas lições dos mais velhos levamos para a vida. Usei muito essa regra simples, tanto na minha vida policial quanto na minha carreira de escritor. Antes de opinar, saber o que aconteceu. Antes de dar pareceres, dominar o assunto, conhecer os fatos. E principalmente, o que é mais difícil, ter conhecimento de causa para se atrever a falar sobre algo.

Nesse mundo onde as redes sociais transformaram debates em ofensas rasas, há um paraíso imenso para os teóricos palpitarem absurdos. A ação policial no Jacarezinho, no Rio, com a morte de um policial e diversos criminosos, gerou um debate tão intenso quanto triste e hipócrita. É fácil falar de ações policiais, de tiroteios, de crimes e violências tomando milk shake ou entrincheirado na tela do smartphone e disparando verdades unilaterais sobre o mundo. Quero ver ir lá. Pisar na lama. Sentir a adrenalina de temer a morte, sentir o cheiro de sangue e pólvora, conhecer lugares onde tudo se ausentou e só a Polícia vai, ver como vivem os escravos do tráfico e das diversas indústrias do crime coligadas. A esmagadora maioria dos corajosos opinadores, tão vigorosos em palavras, não tem coragem para dar um passo sob tensão. Quando isso acontece, quem eles chamam, desesperados? A Polícia. Nunca vi gente ligando para traficante para que salve seu bebê que está morrendo engasgado ou o socorram de um roubo, até porque o traficante, certamente, é amigo dos caras que apontam armas para a cabeça de inocentes, dispostos a matar por um carro, um celular, uma carteira, um gesto banal.
O Brasil vive em guerra. Mais do que sabido. E ações de guerra são ações de guerra. Não sei de um episódio, sequer, onde os aclamados heróis que derrotaram os nazistas de Hitler foram ao front com flores ou petecas. Eles foram combater. Matar ou morrer, como os policiais do Rio de Janeiro, e de várias partes deste país, vão todos os dias. E não é em troca de riquezas, como os fomentadores dessa intrincada rede de negócios nefastos faz, matando sem sujar as mãos. Esta semana, me perguntaram diversas vezes o que eu pensava sobre o evento do Jacarezinho. Lembrei de quantas vezes precisei ouvir bobagens tão distantes da realidade, sobre ações que participei, que chegavam a parecer piadas. Lembrei do meu tio, do jacaré da boca grande e braços curtos. Da minha vó. “Desculpe, eu não estava lá”, foi só o que respondi. 


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