A estúpida partida do Rei

A estúpida partida do Rei

Oscar Bessi

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O mundo o conheceu como Frotinha. The King. Um dos reis momos mais queridos e dinâmicos da história do nosso Carnaval. Otávio Ubirajara Frota de Azevedo Júnior. Pra mim, o Tavo. Tavinho. Tavão. Filho do tio Bira, meu primo e único garoto que esteve junto desde a primeira festa de aniversário que me lembro, nos anos 1970, regada a ki-suco e torta com fios de ovos. Recordo que no dia em que ele descobriu uma aranha caranguejeira dentro de um porongo, no galpão do meu pai, achou que era um ser de outro planeta. Os primeiros discos e fitas, dos primeiros shows de rock, que ainda meninos, assistimos Taranatiriça, Bicho da Seda, Cascavelletes. As saídas em Ipanema ou na Cidade Baixa, com voltas a pé pra Glória sem dinheiro pro busão. Nosso churrasco com fritas na casa da vó. Comemorei a aprovação no concurso da Brigada com ele. Minha primeira foto fardado foi com Otávio. Ele está em todos os grandes momentos da minha infância e juventude. A vida adulta nos ofereceu caminhos diferentes. Mas, quando nos encontrávamos era como se acabássemos de estar juntos. Nós, mais o Xandi, chegamos a criar histórias em quadrinhos com “Los Três Primos”.
No Dia de Páscoa nos encontramos na frente da casa de minha mãe, onde ele nem entrou. Ele e o seu sorriso de sempre. Um sorriso que desde criança era acolhedor, pacificador, incentivador. Para meus tropeços nas tentativas de emprego, nas primeiras frustrações amorosas, ou nas consequências do relacionamento difícil com meu pai, ele tinha sempre palavras e atitudes para me tirar do baixo astral. Era um ser único. De luz. E que, talvez graças e essa energia toda que emanava para tanta gente, tinha conseguido forças para vencer todos os problemas de saúde que lhe afetaram. E estava vencendo também o coronavírus. Tinha fé e planos otimistas. Era só passar a pandemia para voltar a fazer shows. Aí veio essa morte estúpida.
Uma discussão de trânsito. Impaciência. Intolerância. O gesto banal de atropelar e matar alguém. Não é justo uma alma tão generosa partir de um jeito tão besta. É claro que vou respeitar o direito de defesa de quem fez isto, de dizer que há uma explicação para o que aconteceu. Mas, perdoem, é a minha dor. De toda a nossa família. E uma morte dessas não tem explicação. Em nosso país, irresponsavelmente cheio de carros e com vias muito mal planejadas, o trânsito se tornou palco de guerra. Brigas de trânsito matam a todo instante. Sinceramente, às vezes dá vontade de parar de repetir o óbvio sobre nossa condição humana e racional. Sobre essa necessidade de mais cordialidade, calma e respeito. Porque está claro, estamos cada vez piores. Brigamos, agredimos por qualquer motivo. Matamos. E mesmo o horror desta pandemia não nos ensinou absolutamente nada. 

 


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