Falsas aparências

Falsas aparências

Oscar Bessi

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Eu fiquei por um bom tempo com os olhos parados na notícia do portal R7 sobre aquele menino que era mantido preso em um tonel, em Campinas, interior de São Paulo. A manchete era explícita, direta, e iniciava com “monstros domésticos”. De fato, é o que são estas criaturas que conseguem fazer isso, seja com uma criança, com um idoso, com qualquer ser humano. Duvido que alguém, que tenha lido ou visto na televisão a matéria sobre esse caso horrendo, consiga pensar diferente. “Crime reforça a importância de não se deixar enganar com falsas aparências”, avisa o portal de notícias no subtítulo da matéria, onde ainda diz que vizinhos afirmavam que os pais das crianças, os monstros que faziam isso com o menino, “pareciam pessoas gentis”.
Francamente, eu não tenho estômago para ver certas cenas que circulam livremente pelas redes sociais da vida. Parece que o macabro dá uma audiência informal infinita e as pessoas parecem adorar ver o horror que a imprensa, por pudor e respeito ao menino, não mostrou. Mas essas cenas sempre vazam e o que mais me dói é saber que foram gravadas por agentes da lei que, antes de espalhar o curioso bizarro por aí, deveriam ter como primeira preocupação o respeito às vítimas e a preservação dos dados da ocorrência. Cabe aos policiais registrarem apenas como meio de prova material do crime, não como notícia de horror. Basta narrar o fato para que fiquemos chocados ao saber: “Polícia Militar de Campinas resgatou um menino de 11 anos que era mantido preso dentro de um tonel, onde extremamente debilitado, chegava a se alimentar com as próprias fezes no desespero da fome.”
O sargento da Polícia Militar que comandou o salvamento declarou que a madrasta, uma das responsáveis pelo cárcere do pobre menino, era líder de um grupo não oficializado de ajuda aos animais. E, no mesmo pátio onde a criança comia suas fezes trancada num tonel, 11 cachorros bem nutridos brincavam livremente. Não, jamais poderemos culpar os animais pelo ocorrido ou dizer que de nada adianta defender animais e não seres humanos. Não é isto. Mas o que impressiona é o teatro, a falsa aparência de bondade destes carrascos sem coração. Talvez isso tenha demovido o Conselho Tutelar de uma averiguação mais profunda, embora não se justifique tamanho erro na sua ação. Não é incomum vermos pedófilos e assassinos causarem espanto ao terem suas identidades e ações criminosas reveladas, por causa da falsa impressão de “gente de bem” que causavam nos desavisados. Corroboro com a matéria: a proximidade com as demais pessoas é saudável, a fraternidade e o diálogo é o que dão esperança ao nosso mundo e somos um ser social. Porém, fique sempre atento. Sempre com um pé atrás. Os seres humanos são imprevisíveis e sabem ser muito, mas muito maus. 

 


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