Justiça, sem olhar a quem

Justiça, sem olhar a quem

Volta à baila o debate sobre a nossa histórica cultura de desamparo, constrangimento e asfixia contra a mulher

Oscar Bessi

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Com o título “toda a violência é uma derrota”, o Grêmio Esportivo Brasil de Pelotas postou este texto em suas redes sociais: “Toda vez que uma mulher é violentada e desamparada. Toda vez que uma mulher é estuprada e assassinada. Toda vez que uma mulher é constrangida por desconhecidos. Toda vez que uma mulher é abusada por parceiros ou familiares. Toda vez que uma mulher tem sua liberdade cerceada, sua voz calada e seu corpo invadido a sociedade é derrotada também. Justiça por todas as mulheres que não têm voz. Justiça por todas as mulheres que não têm vez. Afinal, a Justiça é para quem?”. Os leitores sabem, sou xavante fanático (redundância, pois não se admite xavante não fanático). Mas, acima disto, está a grandeza da mensagem. Não se resumiu a um mero copiar e colar de hashtag. É uma mensagem profunda, corajosa, densa e tristemente real. Pensada para todas as mulheres deste combalido país.
As mensagens pipocaram nas redes após o triste episódio envolvendo a jovem Mariana Ferrer, de 23 anos, em Santa Catarina. A humilhação que ela sofreu por parte do advogado do acusado (sim, ela era a vítima) uniu até correntes de pensamento antagônicas. Gente que, até ontem, não media ofensas para atingir quem pensasse o contrário, como se o mundo se resumisse a uma triste dialética maniqueísta, desprezando toda a capacidade do pensamento humano em ser plural e diversa, se uniu. O episódio, que aconteceu em um julgamento, causou indignação pelo surgimento do que resolveram chamar de “estupro culposo”. Um absurdo não só jurídico, mas fático. Para piorar a revolta de todos nós, o acusado, mesmo após ter sido provado que houve relação sexual, e que a vítima era, até então, virgem, foi absolvido.
Volta à baila o debate sobre a nossa histórica cultura de desamparo, constrangimento e asfixia contra a mulher. Sempre que há um caso notório, se debate, se protesta, mas as mudanças reais são pífias. Na última quarta, a escritora Patrícia Melo participou da mesa on-line “Uma realidade violenta”, onde deu uma aula sobre violência contra a mulher, realidade brasileira e sua indignação ao pesquisar e escrever o impecável, e duro, “Mulheres Empilhadas”, seu romance mais recente e que aborda o tema. Patrícia nos dá um beliscão por, talvez, nos termos acostumado com as notícias de violência que nos deparamos todos os dias. Não dá para achar normal, não podemos achar normal. São nossas mães, avós, filhas e netas. Nossas mulheres, amigas e mestras. Jamais poderemos deixar este assunto esfriar, afinal, queremos justiça, sem perguntar para quem. E só na persistência, e na resistência, é que um dia mudaremos culturas. As culturas públicas e a nossa própria. 

 


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