As lutas de Quintana

As lutas de Quintana

Quintana segue conosco. Ela se soma aos guardiões escolhidos lá onde ficam as almas especiais, que velam por nossos passos.

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A notícia pegou todos de surpresa. E impregnou olhares com aquele sentimento amargo que é um misto de incredulidade e impotência, dor e indignação. A estranha sensação de que, volta e meia, há algo injusto, muito injusto, entre as peças que prega isto que chamamos de destino. Liliane Silveira Quintana se foi. Soldado da Brigada Militar, mãe, esposa, colega, amiga. Uma mulher ainda jovem. Uma defensora da cidadania, sonhadora, idealista. Ser humano de sorriso simples e coragem imensa. Ela sofreu um grave acidente em serviço, no cumprimento do dever, quando a viatura em que estava colidiu contra um ônibus. Nós a perdemos enquanto ela honrava o que há de mais belo e mais duro no juramento policial: cumprir a missão, mesmo com o sacrifício da própria vida. Quintana se foi quando estava decidida a salvar uma senhora que talvez nunca tivesse visto antes.

Não sabemos que angústias e inquietações partiram com ela. Mas sabemos que ideais e valores ela nos deixa, irmanados, como se conosco continuasse, ombro a ombro, dia a dia. Quintana se foi ao fazer o que guarnições da Brigada Militar fazem, todos os dias, em todos os cantos deste estado imenso e plural. É quando o cidadão precisa ajuda, precisa socorro, e encontra o fone 190 como um portal de esperança para que seu medo, ou desespero, encontre uma saída, um amparo, um caminho que lhe restabeleça, quem sabe, até a cidadania. A dignidade. Uma idosa teve mal súbito e não havia ambulância para atendê-la. Mas havia a Brigada Militar. Havia a Soldado Quintana. Quis o destino que ela jamais chegasse onde decidiu ser o socorro. Quis o destino que ela, no cumprimento do dever, também precisasse de ajuda.

Na torcida de colegas, familiares e cidadãos gaúchos de todos os cantos, da população de Livramento que a conhecia, nas correntes de solidariedade que se estabeleceram, primeiro veio a triste notícia de que ela precisara ter sua perna amputada. Depois, quando tudo era esperança de recuperação, veio o vírus. Esse, que nos cala a todo instante e, ainda assim, uns e outros insistem em não levar a sério. Ele nos levou Quintana. Depois de tanta luta, de tantas vitórias, um inimigo invisível e cruel a derrotou. Justo na semana de aniversário da Cabo Toco, heroína deste pampa, primeira mulher a vestir a farda brigadiana quando isto ainda nem era permitido. Data que agora celebra a policial militar feminino. Quintana segue conosco. Ela se soma aos guardiões escolhidos lá onde ficam as almas especiais, que velam por nossos passos. Se nos deixou cumprindo seu juramento de salvar vidas, ela, assim como a Cabo Toco, também nos deixa a lição de que não podemos desistir jamais. E seguir o que acreditamos. Mesmo quando a batalha parece injusta.

(publicado na edição impressa de 20 de junho de 2020)


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