Dinheiro sujo

Dinheiro sujo

Que o crime está enraizado por todo lado, a gente já sabe. Desde os tempos de Cabral. O que irrita é a facilidade. A agilidade. A promiscuidade entre bandidos e poderes públicos.

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(coluna publicada em 06 de junho de 2020)

O Brasil só é um país duro para o Zé Ninguém. O que é derrotado todos os dias pela burocracia, pelo desemprego, pelos processos seletivos, pela intolerância. E mal consegue retirar o seu auxílio devido à pandemia. O Brasil é duro para o sujeito mediano, que sua em bicas para declarar corretamente seu imposto de renda, com medo de multas e ameaças por conta de um recibo de poucos reais mal preenchido. O Brasil é duro para o pequeno comerciante, honesto, que quando não é coberto de impostos, é assaltado, e ainda agradece se só levarem tudo que ele tem e deixá-lo com vida. O Brasil é duro com seus pequenos agricultores, induzidos a ignorar que o desmatamento é, sim, muito culpado por esta seca que hoje o castiga e o deixa à míngua. O Brasil é duro com sua gente simples. Com a quase totalidade dos seus. Para os criminosos a rigidez não é tão grande. 

A Polícia Civil de São Paulo cumpriu, esta semana, 60 mandados de busca e apreensão e 22 de prisão na região metropolitana da capital paulista. As investigações começaram há sete meses, quando policiais de Guarulhos apreenderam um arsenal de guerra na mão de criminosos. Incluía, pasmem, artilharia antiaérea. O negócio milionário, cujos líderes moravam em mansões na zona nobre e integravam respeitáveis clubes sociais, tinha como fulcro o tráfico de drogas e o ataque com explosivos a instituições financeiras. Mas, para lavar o dinheiro do crime, a rede estendeu seus tentáculos. Possuía até clínicas de saúde. Não duvido que esses criminosos tenham recebido aplausos como heróis em tempos de pandemia. Possuíam também empresas de fachada que venciam concorrências públicas e prestavam serviços a prefeituras, como coleta de lixo e combate à dengue. Incrível. Criminoso bate à tua porta e sorri: abra, estou aqui para te proteger contra esse mosquito perigoso. “Brasil, mostra tua cara!”, já cantava Cazuza.

Que o crime está enraizado por todo lado, a gente já sabe. Desde os tempos de Cabral. O que irrita é a facilidade. A agilidade. A promiscuidade entre bandidos e poderes públicos. Como pode ser tão fácil para empresas de fachada, criadas por traficantes e assaltantes de banco, vencerem licitações? Como pode ser tão comum lavar dinheiro sujo e, por tabela, jogar no lixo o nosso suor de cada dia? Como pode ser tão banal desviar verbas da saúde em dias caóticos, com mais de mil brasileiros mortos por dia? Como pode ser assim tão fácil? Tão lucrativo? Tão compensador? Ainda bem que, vez ou outra, surgem luzes no final do túnel que revelam esquemas criminosos sendo desmascarados. Mas aí questionamos: quanto nos enganam, todos os dias, quadrilhas travestidas de “cidadãos de bem”, sem que sequer desconfiemos?


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