Paixão, morte e mais do mesmo

Paixão, morte e mais do mesmo

Oscar Bessi

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O futebol é o mais brasileiro dos esportes. Movimenta fortunas (na órbita de uma minoria de clubes, mas movimenta), além de legiões de atletas e torcedores país afora. Alimenta mercados formais e informais impulsionados por paixões. Mobiliza famílias e comunidades inteiras. Mas há anos, décadas, que a popularização deste esporte trouxe consigo a violência e o medo, tão presentes nos jogos quanto a própria bola. Não queiram dizer que é coisa dos tempos de hoje. Não é. Lembro de, ainda criança, lá nos anos 1970, ver gente num estádio arremessando sacos com urina, pilhas de rádio e pedras em torcedores adversários. E nos policiais, juiz ou jogadores. De ir em partidas de campeonato amador em zona rural, no interior do Estado, que terminavam em pauleiras generalizadas. Nunca houve um “antigamente não era assim”, como uma análise simplista pode pretender. Levar uma criança para ver um jogo de futebol sempre foi arriscado. Hoje é mais, óbvio. Há mais armas e mais ódio por aí. E mais gente matando por nada.

O péssimo comportamento das torcidas é o retrato do que somos. A banalidade da violência, e a impunidade que a ampara, fazem parte dos nossos dias e nos levam a um amanhã cada vez mais assustador. Porque nada, de fato, jamais foi feito para mudar este quadro horroroso. Somos o resultado da nossa educação fraca. De uma cultura desumana que nos pauta desde que os europeus invadiram nossas terras, sem qualquer respeito ou escrúpulo, e impuseram uma nova civilização a fim de nos saquear livremente. De um país que nasce num cotidiano de crimes por motivos divinos, de ganância desenfreada, de escravidão cruel e de chacinas contra os donos das terras, não se espera muito. Gabriela, a torcedora do Palmeiras, será mais um número nesse fiasco de civilização que, mesmo depois que pegamos as rédeas dos nossos dias, não conseguimos mudar. Por falta de vontade. Não tem gente querendo liberar a bebedeira livre nos estádios, outra vez? Com tudo isso acontecendo?

Podem parar campeonato. Vai continuar morrendo gente em briga de torcida. Vai continuar morrendo gente em discussão idiota sobre política partidária. Vão continuar morrendo milhares no trânsito porque não é costume lembrar que há o outro. Vão continuar sendo mortas as mulheres que não querem mais o relacionamento com o demente que um dia as encantou e iludiu. Vão continuar condenando à morte milhares de crianças em gestos corriqueiros de corrupção e desvio de verbas. E não adianta apenas endurecer leis, e até conseguir o milagre de que estas leis mais duras sejam de fato aplicadas. Há que se mudar toda uma educação que conduza nossos cidadãos a valores como respeito ao outro, respeito à diferença, respeito às escolhas diversas. Mas para mudar essa educação é preciso o quê mesmo? Melhor nem dizer. Vai faltar dinheiro para aquelas “obras” que todos conhecem bem. 


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