É realmente justo deixar um criminoso livre?

É realmente justo deixar um criminoso livre?

Oscar Bessi

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Repercutiu mal, junto à opinião pública, a negativa da justiça ao pedido de prisão do motorista que, com seu carro, atingiu e matou um motociclista de apenas 35 anos, casado e pai de dois filhos. A solicitação foi feita pelo delegado responsável pela investigação do caso, convicto de que o autor é, sim, um perigo à sociedade. Quem viu o vídeo do que aconteceu, e ouviu a entrevista das testemunhas, não conteve a indignação. Acontece que o poder judiciário fez apenas a interpretação fria da lei. O seu papel. E a nossa legislação é isto, um emaranhado de frestas e possibilidades de fuga à punição. No Brasil, há jeitinho para tudo. Principalmente para escapar ileso das péssimas consequências dos seus atos. Mesmo que estes atos tenham dilacerado famílias inteiras. Vide nossa mania secular de perdoar corruptos. Mesma coisa.

Claro, não está dito que ficará impune o motorista que causou a morte daquele pai de família, jogando seu carro para cima da moto pilotada pela vítima – onde, numa análise crua, com base nas imagens vistas, assume o risco e intenção de que a tragédia aconteça. E tudo por conta de uma discussão boba de trânsito. Certamente haverá o justo julgamento desse homicídio. Claro. Mas e até lá? Quantas outras discussões de trânsito acabarão em mortes e tragédias, como aquele caso da criança baleada que ficou tetraplégica pela ira de um motorista bêbado? Como inverter essa estatística macabra sem que a mão pesada da punição tome atitudes imediatas e implacáveis com quem perde a linha e despreza a vida alheia nas nossas ruas? Com todo o respeito às interpretações diversas, aos princípios de ampla defesa e etc., mas ou se estabelece uma cultura de tolerância zero às ações de ódio, ou seus adeptos se sentirão livres e cada vez mais fortalecidos para agir como julgam que está certo. E o trânsito será palco de batalhas disputadas por irresponsáveis, crentes que, além de não dar nada o que fazem, essa é apenas a regra natural estipulada ao jogo caótico da sobrevivência diária em que nos metemos.

As ações de ódio andam vulgares demais, e basta andar pelas ruas comuns das nossas cidades para constatar. Vivemos dias de uma coletividade doente, apressada, superficial, estressada, desumana, egoísta e egocêntrica. As ações que tentam uma mudança de comportamentos, individuais e coletivos, usando a estratégia da educação pelo convencimento, esmorecem debilitadas pela estupidez reinante que se alavanca, infelizmente, usando tecnologia, falsidade e prazer imediato. Ou se pega esse monstro descontrolado e tenta se domar, antes que tudo convulsione mais do que já convulsiona, no desequilíbrio maluco de tudo que nos cerca, ou nos entregamos à barbárie nesta versão high-tech. Talvez um cidadão que seja réu primário é apenas alguém que não foi alcançado pelos papéis públicos, mas que em seu cotidiano não difere a agressão a seus semelhantes de um outro gesto banal qualquer. Pode ser um dos tantos doentes de alma que nos rodeiam. E o justo, na dúvida, seria preservar vidas tratando a doença.


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