A rica indústria do crime

A rica indústria do crime

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Quarta-feira à tarde, o mormaço era insuportável em Montenegro. Os policiais de serviço na Operação Papai Noel já haviam realizado algumas intervenções, prisões e, pela manhã, numa ação de apoio à Polícia Civil em Triunfo, até armas apreenderam. “O dia é nosso”, foi a mensagem exultante que recebi, no telefone, me avisando que levava mais um preso à delegacia. Mas àquela hora nem se sonhava com o que ainda iria acontecer. À tarde, o time de Investigação do Delegado Paulo, da DP de Montenegro, nos pediu apoio para cumprimento de um mandado. Há anos temos uma relação de proximidade e parceria inabaláveis entre PC e BM no Vale do Caí. Entrelaçamento operacional, irmandade no front, troca incessante de informações, confiança e apoio em qualquer situação. Somos poucos, mas somos melhores juntos. Naquela tarde, o alvo era o trator de um agricultor local, vítima de estelionatários. “Será rápido e simples”, pensamos. Ledo engano. Momentos depois, os policiais davam um dos maiores golpes na indústria do crime no Rio Grande do Sul.

No local, tive dificuldades em acreditar que aquela estrutura gigantesca funcionava ali, numa área rural pacata que até então, para nós, trazia só um ou outro caso de abigeato. Uma fábrica clandestina inteira de cigarros. A mansão escondida dos olhos da estrada principal. Eu nunca havia visto algo assim, “in loco”. As máquinas de última geração, as toneladas de cigarros prontas para embarcar em carretas e pararem nas mãos de dezenas de comerciantes inescrupulosos, o montante de produtos químicos, embalagens e etc. Alguém tomara uma cerveja gelada antes de ser preso ou fugir. Eu, que já fui fumante, fiquei com pena do brasileiro que insiste neste vício. Não tem como aquilo não detonar o organismo de uma pessoa. E a marca é vendida em milhares de botecos por aí, como se fosse algo decente, só mais barato. O esquema de segurança para proteção do lugar contava com câmeras de última geração, acesso difícil e a regra de só entrar no local encapuzado, para não saber achar depois. Além de mais de dez paraguaios trabalhando em regime escravo.

O prejuízo de milhões de reais, que a ação policial em Montenegro decretou à essa organização criminosa, nos permite refletir sobre o quanto, mesmo sem querer, alimentamos a indústria rica da ilegalidade e da violência. E o quanto ela é complexa. De falsos compradores e estelionatários, a contrabandistas de cigarro e ladrões de carga. O cidadão, na espera de qualquer fresta de oportunidades, acha que tem lucro ao pagar menos por qualquer desejo seu consumo, seja de um simples maço de cigarros falsificados a um celular, um carro ou o que for. Porém, o crime só se torna esse monstro gigantesco porque encontra mercado farto. Quem paga. Consumidores sem consciência ou só desatentos. Seja como for, cada moeda dada à indústria do crime vira bala, depois, no corpo de um inocente.


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