Escritora transforma podcast sobre negritude no livro "A Cor da Voz"

Escritora transforma podcast sobre negritude no livro "A Cor da Voz"

Livro busca expandir a educação sobre as relações étnico-raciais e a cultura negra

Valentina Bressan / Ufrgs

Tainã Rosa começou a produzir o podcast em 2020 e, um ano depois, lançou o livro adaptado dos programas

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O livro "A Cor da Voz", organizado pela professora, literata e produtora cultural Tainã Rosa, tem uma proposta singular: transformar em texto os episódios das duas primeiras temporadas do podcast de título homônimo. Lançado em 2020, o programa aborda temáticas relativas às experiências de vida e à produção de conhecimento e de cultura de pessoas negras. No sábado, ela autografou os exemplares às 17h30min, na 67ª Feira do Livro de Porto Alegre.

Graduada em Pedagogia pela Ufrgs, Tainã teve a ideia para o podcast a partir de suas articulações entre pesquisa, ensino e negritude, desenvolvidas nas disciplinas do mestrado. A prática da contação de histórias, no entanto, acompanha a professora e produtora cultural há mais tempo: “Eu sou uma contadora de histórias, e tenho vários projetos ligados à oralidade. Comecei contando histórias primeiro na minha comunidade, minha família, depois isso se estendeu para a minha parte docente”.
O ponto de partida para o podcast, então, foi sua inquietação com o uso excessivo e, muitas vezes, banalizado, de conceitos das vivências negras no último ano, na esteira do Movimento Black Lives Matter (em português, “Vidas Negras Importam”). Buscando ir além das postagens efêmeras de muitos nas redes e das conferências universitárias que não pareciam produzir resultados, seu objetivo era desenvolver um projeto que tratasse desses conceitos de forma didática para todos. O formato em áudio surgiu a partir de uma proposta de trabalho da pós-graduação e, com sua familiaridade com a contação de histórias, logo os primeiros quatro episódios, girando em torno dos temas da arte e da cultura negra e trazendo convidados de diferentes áreas, estavam no ar.

Ao longo das duas primeiras temporadas do podcast, o programa foi base para formações em educação sobre as relações étnico-raciais no Instituto de Artes da Ufrgs. Atualmente, Tainã ministra as formações em parceria com o projeto de extensão Quem Conta um Conto, do Instituto de Letras, que garante certificação para todos os participantes, sejam eles vinculados ou não à universidade. Tainã passou a pensar em expandir ainda mais o projeto quando notou que grande parte dos ouvintes do programa eram professores.

Levando em conta a importância do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas - garantido pela Lei 10.639/2003 - surgiu a proposta de um livro que pudesse ser utilizado como material educativo. Com a seleção do projeto pelo edital Criação e Formação Diversidade das Culturas, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc, os planos para o livro puderam ser concretizados. “A nossa proposta era transformar em livro e doá-lo para toda a rede municipal de Alvorada”, explica. Após o lançamento de "A Cor da Voz" na Câmara Municipal, em Alvorada, em setembro, a biblioteca de cada uma das 32 escolas municipais da cidade recebeu 15 exemplares da obra.

O processo de transformação do material em áudio envolveu, mais do que uma transcrição, mas um esforço de tradução. “Eu nunca vi a oralidade e a escrita como coisas opostas. Para mim, oralidade e escrita são complementares”, destaca a contadora de histórias. Contudo, algumas adaptações foram necessárias - como a adição de notas de rodapé com informações sobre referências, instituições e autores citados nos episódios. Além disso, Tainã reforça que o grupo que organizou o livro fez uma escolha editorial de manter as variações linguísticas no texto: “Foi uma tradução do oral para o escrito e nesse caso de tradução, o que a gente realmente teve em mente foi manter a variação linguística, o regionalismo, para tentar fazer com que esse sentido do texto efetivamente não se perdesse”.

No âmbito das temáticas, o livro preserva o intuito do podcast "A Cor da Voz" de incentivar e fortalecer o movimento chamado de Sankofa, que significa olhar para o passado, resgatando os conhecimentos ancestrais do povo negro para a construção de um futuro melhor. Tainã visa ir na direção contrária da ideia de que pessoas negras devem falar sobre racismo em todas suas produções. “O racismo não é uma invenção negra, é uma invenção branca, então não precisa estar sempre falando de racismo, isso não me pertence. A gente não pode se pautar vivendo só esse momento de reação, a gente é ação. O nosso princípio de negritude não começa na escravização”, afirma ela. Assim, o podcast e, agora, o livro, fomentam as construções próprias da comunidade negra e indígena, sejam elas a arte, as teorias sociais, o empreendedorismo ou outras manifestações culturais, para além do racismo.

A proposta da obra também é importante para gerar reflexões às pessoas brancas. “Eu tenho ouvido muito isso, pessoas brancas me dizendo: ‘eu nunca pensei nisso, eu não sabia que isso acontecia’”, conta Tainã Rosa, e diz que acredita que a contação dessas histórias, reais e atuais, incentiva a criação de novos imaginários, combatendo o perigo de uma história única – conceito trabalhado pela escritora Chimamanda Ngozi Adichie. Tainã relata que “as pessoas vão poder abrir os olhos para enxergar novas realidades e a gente poder, assim, provocar realmente uma mudança, uma transformação social. A minha vontade é que lá na frente, isso gere uma equidade de direitos, que é o que a gente ainda não tem e que a gente está buscando”.

Na 67ª Feira do Livro de Porto Alegre, a autora ministrou a atividade Negritude e Educação para as Relações Étnico-raciais. “Ter toda essa bagagem enquanto leitora e agora estar podendo voltar como autora, isso é muito importante para mim, estar do outro lado”, conta Tainã, assídua frequentadora da Feira desde seus 15 dias de vida. Agora, com o lançamento, Tainã convida todos a conhecerem o livro que está à venda na Feira.


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