Por uma leitura mais democrática

Por uma leitura mais democrática

Prestes a completar os seus 150 anos de existência, a Biblioteca Pública do Estado do Rio grande do Sul é um oásis da literatura e história gaúcha

Durante os séculos XIX e XX o processo de empréstimo dos livros era todo feito por fichas, mas hoje é realizado de forma digital

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Morgana Marcon vai até a estante, abre a porta e, com muito cuidado, pega um livro de folhas amareladas e com parte da capa em pedaços. Trata-se de Pharsalia, um poema épico escrito pelo poeta latino Lucano em 1519. “Essa é a obra mais antiga que temos aqui”, explica a diretora da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul e ganhadora do 3° Prêmio Jacarandá, na categoria Personalidade do Livro. 

Pharsalia está entre os 240 mil títulos disponíveis na instituição. A coleção reúne desde clássicos, como Lusíadas, de Camões, e A Divina Comédia, de Dante Alighieri, até relatórios do governo do Estado, Anais da Província de São Pedro e mensagens dos governadores à Assembleia. Das seis bibliotecas estaduais em Porto Alegre, a Pública do Estado é a com o maior acervo – e a mais antiga.

Fundada em 14 de abril de 1871, surgiu devido ao pedido de membros da Associação Partenon Literário. Na época, eles acreditavam na necessidade de existir um lugar para auxiliar aquelas pessoas que não tinham condições financeiras de comprar livros e também para servir de apoio às instituições de ensino. 

A instituição passou por diferentes prédios públicos até chegar ao atual espaço no encontro das ruas Riachuelo e General Câmara. A construção, iniciada em 1912 e concluída em 1915, ocorreu sob ordem do presidente do Estado, Borges de Medeiro, e a pedido do diretor Victor Silva. Em 1986 o prédio da Biblioteca foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), e em 2000 pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN).

Após quase 150 anos de muita história, a Biblioteca Pública segue desempenhando o seu plano inicial: democratizar o processo de leitura. “O livro ainda não é acessível para todos”, explica Morgana. “Infelizmente, o processo editorial é muito caro devido aos impostos e isso impossibilita ao leitor ter acesso à leitura. Por isso, deveriam investir muito nas bibliotecas. Elas são esses espaços democráticos de leitura e informação”.

Hoje, as obras chegam às estantes da Biblioteca Pública do Estado pelas leis de incentivo, pelos autores que doam suas publicações e principalmente através da contribuição do público externo. “Quando não conseguimos a contribuição de um livro muito procurado, a gente busca adquirir através da Associação de Amigos da Biblioteca”, diz. A instituição conta com aproximadamente 8 mil associados.

As bibliotecas vão acabar?

“Eu não acredito nisso”, diz a diretora da Biblioteca Pública do Estado sobre o futuro dessas instituições. Segundo ela, assim como conseguiram se manter vivas durante tanto tempo, vão continuar exercendo o seu papel social na história e cultura do Rio Grande do Sul.

O motivo? “Muitas pessoas ainda não tem acesso ao livro (que é caro)”, responde. “As bibliotecas sobreviverão por muito tempo porque ainda tem muita gente que precisa delas”. Essas instituições, no entanto, terão que se adaptar às novas tecnologias. Já que o mundo está cada vez mais digitalizado – e a pandemia da Covid-19 é a prova disso.

É o caso do casal Maria Regina e Arnoldo Doberstein, pesquisadores da Biblioteca desde 1964 e que ajudam financeiramente os projetos da instituição. O último contato de Maria Regina com o espaço, por exemplo, foi na restauração da obra Catálogos da Exposição, de 1901. “Eu fico muito feliz em poder contribuir para um melhor conhecimento do público”, diz.

O sonho de Morgana é conseguir disponibilizar todo o acervo da Biblioteca Pública do Estado em uma plataforma digital. Para ela, esse é o futuro. Por isso, os gestores precisam se importar com o fato de as bibliotecas serem um espaço de incentivo à leitura. “Imagina o que seria das pessoas se durante essa pandemia a cultura não existisse”, instiga.

O outro desejo - e aparentemente o mais difícil - é conseguir recursos para restaurar o prédio da Biblioteca. Entre uma reforma e outra as paredes da instituição foram pintadas, escondendo a maioria dos desenhos feitas à mão em todo o prédio. Uma parte da tinta, inclusive, já se soltou. E como sonhar não paga imposto, ela também deseja, no futuro, ter um laboratório próprio de restauração de livros. Isso evitaria que obras, como Pharsalia não sejam perdidas ao longo dos anos.

Danielly Oliveira - UniRitter


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