"Olivetti Lettera 32", de Carolina Panta, homenageia poder da escrita

"Olivetti Lettera 32", de Carolina Panta, homenageia poder da escrita

Romance acompanha as histórias de três mulheres enquanto um narrador enigmático se comunica com elas por meio de bilhetes deixados em livros

Henrique Massaro

Romance foi publicado pela editora Zouk

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Um livro é grandioso quando cria um universo único, tão particular e bem retratado que consegue dialogar com todos os tipos de leitor, e não apenas com os que se sentem pertencentes àquela realidade. Boa literatura não tem público-alvo. É o que mostra a diversidade de autores finalmente mais presentes nas críticas, listas de mais vendidos e premiações literárias. E é o que faz também a escritora porto-alegrense Carolina Panta em “Olivetti Lettera 32” com Diva, Eleonora e Maria Luiza, três personagens com trajetórias em diferentes tempos históricos. Suas dores, traumas e prazeres são comuns a muitas outras mulheres – que talvez possam se identificar imediatamente com as histórias – mas também despertam a empatia de todos os bons leitores que estiverem dispostos a conhecê-las. Eis o poder da boa escrita.

Porque, em muitos aspectos, “Olivetti Lettera 32” também é uma homenagem à escrita. 

O romance, publicado pela editora Zouk, conta, separadamente, as histórias das três protagonistas. A primeira delas acompanha Diva, sua infância como filha de imigrantes italianos na Porto Alegre da primeira metade do século 20, a perda precoce e trágica de um amor na juventude e o que lhe surge como única opção de futuro. Já Eleonora é narrada em retrospecto, da rotina como professora estadual no fim da década de 1980 à adolescência, a um relacionamento inapropriado e abusivo, a um passado no qual permanece presa. Na Capital de hoje, há, por fim, Maria Luiza, funcionária de repartição que se encontra em um relacionamento frustrado, a única personagem cuja história é narrada em primeira pessoa ao longo das horas de um único dia. 

Claro que essas definições são simplificações que não dão conta de descrever a complexidade de personagens tão bem construídas, com suas qualidades e falhas. Também não revelam a ligação que possuem entre si e que só vai ficando clara no decorrer da trama. A narrativa de “Olivetti Lettera 32” é alternada. As histórias das protagonistas são entrecortadas por um narrador enigmático, que se comunica com as personagens através de bilhetes deixados em um livro para cada uma delas e, misteriosamente, conhece detalhes de suas vidas. Quem é ele? Ou será mais uma presença feminina? É, sobretudo, a habilidade da escritora em reinventar o chamado narrador onisciente em mais uma celebração do ato de escrever. O romance está repleto delas: na máquina Olivetti que dá nome à obra, no livro que as personagens recebem, na sua paixão pelas boas histórias e até em passagens parecem declarações à linguagem feitas pela autora, que é também professora de Língua Portuguesa e Literatura.

O romance ainda conquista pela evidente preocupação da escritora em ambientar corretamente suas histórias na História, com ‘h’ maiúsculo. A vida dura dos imigrantes que deixaram tudo em busca da terra prometida, a ainda mais difícil realidade dos ex-escravizados e seus descendentes em regiões de população predominantemente negra – como a antiga Ilhota –, a ascensão do Getulismo e dos movimentos trabalhistas, a participação do Brasil na Segunda Guerra; tudo se apresenta dialogando com o desenrolar da trama, e não como elementos estáticos. E, enquanto o leitor se perde no passeio histórico, a boa literatura acontece, fazendo com que Diva, Eleonora e Maria Luiza sigam acompanhando-o depois do ponto final. 


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