Falas que calam profundamente

Falas que calam profundamente

Nilson May e Renato Janine Ribeiro

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Freud consagrou a “cura” pela fala. Eu, ligeiramente menor do que o homem da psicanálise, acredito muito no aprendizado pela escuta. A leitura mobiliza estruturas cognitivas impressionantes. A escuta, que pode não funcionar por distração do ouvinte ou incompetência do falante, tem um poder reflexivo, quando eficiente, incomparável. Tudo isso para dizer que ouvi dois mestres ontem: Nilson May e Renato Janine Ribeiro. Admiro esses humanistas apaixonados por cultura, leitores contumazes, iluministas iluminados.

May é médico e escritor (romancista e ensaísta), especialista em Kakfa. Ele palestrou ontem no “Tá na Mesa”, evento da Federasul. Como não admirar um homem que cita Michel de Montaigne? Como não se encantar com um palestrante que liga os problemas do cotidiano aos modos de pensar dos líderes de cada segmento social? Li os livros de Nilson May. “Bosque da solidão” é muito bom. May, como eu e tantos outros, sofre algum preconceito por ter outras atividades importantes. O deslumbrado moderno parece achar impossível que se possa ser bom escritor e profissional engajado em algum setor prático. Esquece que Machado de Assis foi chefe de contabilidade. Deu expediente até três meses antes de morrer. Gostava do que fazia.     Um dia, estava conversando com Nilson May e ele disse: “Estes tempos líquidos estão levando a nossa mais sólida cultura”. Algo assim, que minha memória me trai (só ela, os amigos nunca). Fiquei refletindo sobre esse aprendizado pela escuta. Ali, na manhã tranquila e meio triste, o escritor, com sua voz aveludada, condensava o nosso tempo sem ressentimento nem erro, como Zavalita, o célebre personagem de Vargas Llosa em “Conversa na Catedral”, que da porta do jornal “La Crónica” olhava a avenida Tacna “sem amor”. No caso de May, amor não falta pelo que chamamos com orgulho de cultura.

Se já houve quem sacasse o revólver ao ouvir a palavra cultura, hoje há quem saque a sua ideologia tecnicista. A tecnologia ajuda, mas não produz beleza nem democracia sem a ação humana. Nenhum aplicativo escreveu até agora uma “Metamorfose”. Sei que assim falando o jovem pensa: eis um velho. Posso garantir que há sabedoria na velhice, essa idade recente que exige atenção e uma boa esteira.

Renato Janine Ribeiro esteve em Porto Alegre para um evento no Teatro São Pedro. Velho amigo, ele me telefonou para um papo. Fez uma síntese precisa dos seus últimos anos: foi ministro da Educação num “momento difícil”. É agora presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) num “momento difícil”. Ficou ecoando no meu cérebro a sua ponderada observação: “Estou aprendendo muito”.

Falando em cultura, está na rua “O pilar de Osíris” (Besouro Box), ótimo romance da historiadora e egiptóloga Margaret Bakos, que foi minha professora na Faculdade de História da PUCRS. Na última vez, acho, que a encontrei pessoalmente, estávamos em Machu Picchu.

Senado aprovou a lei que cria Política Nacional de Enfrentamento ao Alzheimer e outras demências, do senador Paulo Paim, para “organizar uma rede de atenção à saúde mental de idosos, além de promover o diagnóstico e o tratamento nos estágios iniciais da doença”. O texto-base foi do médico gaúcho Leandro Minozzo.


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