Jacarandás, livros e autores

Jacarandás, livros e autores

Chegou ao fim mais uma Feira do Livro

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    Acabou a Feira do Livro de Porto Alegre. Não fui. Mas torci pelo êxito da nossa maior festa da cultura. Vi que bons eventos aconteceram. Aqui, do meu universo ilhado, aplaudi autores e obras. Sobre a minha mesa descansam dois livros que recomendo: “O caderno dos sonhos de Hugo Drummond” (Diadorim), romance de Carlos Gerbase, e “A solidão do estilo – escrituras, biografemas, fragmentos, notas” (Class), de Felipe Karasek. Recomendo tanto o livro do Gerbase, professor e cineasta reconhecido, que fiz a orelha. Só faltou um brinco. Gerbase é um dos melhores autores de diálogos. Tem ouvido.
    Karasek foi meu aluno. É da filosofia. Culto, sensível, antenado para as metamorfoses da cultura. Manda muito bem nos ensaios. Percebe a profundidade das entrelinhas. Ah, tem também “Refugos”, crônicas de Leandro Ortolan, que assina ainda “O que não tem limite – o erotismo na poesia de Chico Buarque” (Edipucrs). E tem Gilberto Gil e Fernanda Montenegro na Academia Brasileira de Letras. Enfim, dois imortais. Tenho dito por aí para quem estranhou. E tem jacarandá. Falo do Troféu Jacarandá, prêmio atribuído pelo Correio do Povo. A cerimônia de entrega será amanhã. Livro do ano: “As noivas fantasmas e outros casos” (L&PM), de Sérgio Faraco. Personalidade cultural: Gilberto Schwartsmann. Editora: Sulina. Autor revelação: Clara Corleone.
    Faraco voltou a publicar depois de um tempo de recolhimento. Como diz o clichê, dispensa apresentação. É craque. Oncologista de grande reputação, um dos pesquisadores mais influentes do mundo segundo a Universidade de Oxford, Schwartsmann ocupa cada vez mais um destacado espaço na cultura. Pode-se vê-lo fazendo chover, junto com Alcides Stumpf, na Associação dos Amigos da Biblioteca Pública do RS, presidindo a Associação dos Amigos do Teatro São Pedro e escrevendo. Em dois anos, emplacou “Max e os demônios”, “Divina rima”, homenagem a Dante, e “Gabinete de curiosidades”, poesias. Ama a vida cultural.
    A Sulina, tendo como editor Luís Gomes, faz um verdadeiro trabalho de guerrilha: resiste, renova-se, lança talentos (Jeferson Tenório, sensação do momento, é um dos seus rebentos), permanece firme. Clara Corleone arrasa. Pratica com seriedade o humor e a ironia. Quem tiver dúvidas, confira “O homem infelizmente tem que acabar” (Zouk) e “Porque era ela, porque era eu” (L&PM). Terminei?
    Não. Vai uma saraivada de sugestões para todos os gostos: “A linha divisória de Istambul e Turismo em tempo de guerra” e “A fabulosa viagem do mel de lechiguana” (Penalux), ambos de José Eduardo Degrazia; “Uma vela acesa descendo a correnteza”, de Alcy Cheuiche, contos publicados, em maioria, em nosso Caderno de Sábado; “Anita Garibaldi” (Benchimol), de Elma Sant’Ana; e “A verdade revelada” (RJR), do meu querido amigo Omar Ferri, cuja dedicatória dá o tom: a Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. A Penguin que se cuide. Para cada Halloween responderemos com uma Salamanca do Jarau e um livro. Os jacarandás são altivos sem xenofobia nem vira-latismo.

*

Então virei de costas e vi o tempo que passou

Eu estava ali ainda agora contemplando a chuva

E pensando na suavidade das tuas mãos finas

Como essas esquinas por onde o vento dobra

Até se perder numa sobra de vida que parou.

 

Andávamos, tu e eu, em busca de um cão

Um cão azul que nos olhasse de soslaio

E coubesse como um gatinho num balaio

Para ser embalado no trem das horas

Vagas que se levantam e assim se vão.

 

Nessa procura se foi langoroso o verão,

Um verão, uma primavera, um inverno,

Um ano, dez anos, todos de estação.

 

O outono nunca parei para contemplar

Eram só folhas amarelas tão passageiras

Costumeiras tardes de amor nas soleiras

 

De portas entreabertas ao deserto dos anos.

Assim, entre chuva, vento, bruma e sol

Uma cordilheira de rugas no rosto

Me devastou na mesmice do posto.

 

Até que me tombou junto aos pés

Um suspiro sem o menor desgosto

E o beijo no varal do que não esqueci.

 


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