Assim estamos

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Instantâneos de perplexidades

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    Na CPI – lembra disso, leitor? –, um intérprete de libras levou a mão à boca e quase chorou ouvindo Giovana, de 19 anos, contar que perdera a mãe e o pai para o coronavírus. O país ficou emocionado. Ali se traduzia um mundo de desespero. A empatia do tradutor rompeu a sombria indiferença que avança como uma rotina sem data para acabar.
Pode-se chamar uma vereadora negra de “lixo” e de “minha empregada” sem praticar racismo? Como podem essas duas expressões ser usadas como insulto? Por empregada, no Brasil, entende-se “empregada doméstica”. Qual a relação possível entre cuidar dignamente de casas alheias e lixo? No imaginário racista: a cor da pele. Como não se indignar? Como não levar a mão à boca para chorar? Camadas podem superpor-se: racismo, machismo e homofobia. O que dizer de um protocolo de contratação de funcionários que recomenda contratar os bonitos?
*
    A Feira do Livro de Porto Alegre está voltando à praça. Sugestão de leitura: “O Sapateiro de Bruxelas – crônicas selecionadas” (Lettere), de Alcides Stumpf. O Rio Grande do Sul tem tradição de médicos escritores. Alcides criou um personagem para suas crônicas: um sapateiro que, por assim dizer, vê o mundo de cima dos seus tamancos: “O Sapateiro de Bruxelas é apaixonado por literatura. Há uma lista imensa de autores e obras a que devota legítima veneração, entre as quais A Metamorfose, a mais célebre novela de Franz Kafka e uma das mais importantes de toda a história da arte literária”. Sem mais spoiler. A praça florida espera os leitores. O sapateiro estará lá.
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– Como vai?
– Indo.
– Que coisa!
– E você?
– Voltando.
– Tempos difíceis, não?
– Lacônicos.
– Como anda o seu humor?
– Mal.
– Bem, bem, já vou.
*
    Fura o teto, segue reto, não olha o sinal de trânsito. Larga a rima, olha para cima, há estrelas no firmamento. Conta outra, segura o tranco, debulha as lágrimas, chama o riso, atrás vem gente só, corre.
*
Enfim, amanheço,
A alma do avesso,
Destino que diz sim,
Ai de mim, ai de mim,
É a noite que morre
Em vagido ou espasmo
Quase pasmo, luz.

 


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