O homem que salvou o Piratini do bombardeio

O homem que salvou o Piratini do bombardeio

60 anos da Legalidade: Edio Erig interceptou mensagem

Edio Erig interceptou a ordem de bombardeio do Piratini

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    Estava num cofre, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a íntegra dos discursos feitos pelos deputados gaúchos durante a sessão permanente de 1961 em defesa da Legalidade. Quem os colocou lá? Por que permaneceram tanto tempo esquecidos? Eles trazem nova luz sobre alguns acontecimentos como a chamada solução parlamentarista. Jânio Quadros renunciou à presidência da República em 25 de agosto de 1961, dia do soldado. Talvez nem ele mesmo tenha sabido a razão profunda do seu gesto. Responsabilizou “forças ocultas”. Queria certamente voltar ao poder nos braços do povo e sem o Congresso Nacional. Não levou. Os ministros militares – Odylio Denys, da Guerra, almirante Sílvio Heck, da Marinha, e brigadeiro Grün Moss, da Aeronáutica – decidiram que João Goulart não assumiria o lugar que lhe cabia como chefe da nação por que o consideravam comunista. A resistência deflagrada por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango. Estava dada a largada para uma temporada de emoções até a posse de Goulart, em 7 de setembro.
    Jornalistas como Flávio Tavares e Carlos Bastos, que trabalhavam para a Última Hora, estão aí para contar essa história que viram de perto. Há também personagem militares, como José Wilson da Silva e Édio Emigdio Erig, com os quais voltei a conversar para escrever este texto. Wilson, então com 30 anos de idade, era sargento do exército e servia no Depósito de Material de Engenharia. Foi promovido justamente quando tudo aconteceu e ganhou o apelido de “tenente vermelho”, que seria título de um dos seus livros. Edio Erig, hoje com 90 anos, era sargento da aeronáutica na Base Aérea de Canoas. Foi ele quem interceptou, na sala do Oficial do Dia, o radiograma ordenando o bombardeio do Palácio Piratini. O gesto de Édio Erig evitou a maior tragédia da nossa história. Ele vive. Esse homem não merecia receber a maior condecoração gaúcha disponível?
    José Wilson não esquece da linha de defesa de metralhadoras que montaram de um extremo a outro do morro dos quartéis, em Porto Alegre. Segundo ele, a maioria da base militar era pelo respeito à Constituição. Nos postos mais elevados de comando é que se achavam os golpistas:
– Nós deixamos claros que defenderíamos a legalidade. O general Machado Lopes, comandou do III Exército, pretendia cumprir as ordens vindas de cima, mas, quando viu que não teria tropa para isso, foi ao Piratini e aderiu à Constituição. Foi o mais bonito que fez na vida, por realismo.
    Édio Erig não se vê como herói. Garante que agiu por senso de responsabilidade. Estava na sala do Oficial do Dia, ocupado com detalhes do rancho, quando a ordem chegou. Abismado, levou a mensagem para seus colegas, que se encontravam aquartelados. A revolta foi imediata. Os mecânicos depois sabotariam os aviões para que não pudessem decolar.
– Fiz o que a consciência me mandou. Se a ordem tivesse chegado antes ao comandante outro poderia ter sido o destino. Nós não queríamos que inocentes morressem no Palácio Piratini. Quanta gente seria atingida! Uma comissão foi ao palácio comunicar que não haveria bombardeio. Pagamos prisão pela nossa rebelião. Em 1964, com o golpe, fui transferido para Belém. Lá, fui expulso da aeronáutica. Colegas fizeram uma vaquinha para eu ter passagem de volta. Só depois da anistia é que recuperei direitos.
    José Wilson vê a solução parlamentarista como o “beco de fuga” que livrou a cara das altas patentes envolvidas na tentativa de golpe. Carlos Bastos destaca a habilidade de Tancredo Neves para negociar com Jango, em Montevidéu, e acertar uma saída aceitável e sem derramamento de sangue. A O que disseram os deputados nos tantos discursos que fizeram durante a sessão permanente em que ficaram? Que debates aconteceram? Como surgiu a ideia de aprovar a toque de caixa o parlamentarismo tão defendido por alguns? Qual era o contexto da época? O que se vivia? O que se sonhava?
Parlamentarismo – A grande novidade dos documentos transcritos é uma fala do então deputado Paulo Brossard (ver na central do caderno de Sábado) sobre o papel de Raul Pilla. Em bom “gauchês”, o cavalo passou encilhado e os parlamentaristas montaram, ainda que inicialmente declarassem achar a ocasião inadequada e suas falas fossem de distanciamento e ponderação. A totalidade desse material inédito está disponível em "Vigília democrática: 18 dias de sessão permanente", no Memorial do Legislativo do RS), que transcreveu os discursos. História quente empolgante. Uma síntese recheia um novo capítulo de meu livro “Vozes da Legalidade”.
A Cadeia da Legalidade, com a Rádio Guaíba instalada nos porões do Piratini por requisição de Brizola, comandou a resistência e derrotou o golpe. Em nossa edição de hoje do CS, apresentamos uma síntese comentada dos embates na Assembleia, um conto de Sinval Medina que retrata a recepção da Legalidade em São Paulo, um comparativo das personalidades de Jango e Brizola feito por Iberê Teixeira, intelectual de São Borja mais do que versado no assunto, e dois textos com viés afetivo: como os netos Juliana Brizola e Christopher Goulart aprenderam sobre a Legalidade em família. Realidade, ficção, entrevista, reportagem e história do Brasil.

Foto de Edio Erig: Ricardo Giusti/CP


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