Jogo de cena?

Jogo de cena?

A volta das coligações nas proporcionais

publicidade

 

    A Câmara dos Deputados aprovou em primeira votação a volta das coligações nas proporcionais, nome que se dá à possibilidade de partidos se associarem exclusivamente com fins eleitorais em pleitos para vereadores e deputados. Na prática, significa a possibilidade de o eleitor votar num candidato de esquerda e eleger um de direita, ou vice-versa, de acordo com as mais bizarras parcerias que se estabelecem. Atravessado o rio, cada um vai para o seu lado. Segundo a narrativa, houve um acordo pelo qual uma parte abriu mão do tal distritão e outra aceitou o retorno das coligações mesmo sendo contra ela. O Partido dos Trabalhadores, que em 2017 votou em bloco contra as coligações, agora se posicionou a favor.
    Como se deu isso? Em princípio, o PT e o PSB votaram a favor da volta das coligações, sendo contra, para evitar a aprovação do distritão, jabuticaba do Afeganistão, pelo qual os mais votados de cada Estado são eleitos e acabou-se. Jacques Wagner, senador petista, afirmou que as coligações são um “estelionato eleitoral”. Então por que seu partido votou a favor? Repita-se: em tese, para barrar o distritão. Vejamos: os defensores do distritão tinham votos para aprová-lo sem contar com seus opositores? Se tinham, e queriam o distritão, por que não o aprovaram e foram negociar com a oposição? Se não tinham, por que os seus opositores lhes fizeram concessões aprovando a volta das coligações como compensação?
    Vale lembrar que sete partidos não entraram nesse jogo e simplesmente votaram contra as coligações. Outros votaram a favor por convicção. Passou-se a ideia de que foi necessário votar nas coligações para evitar a aprovação do distritão. Mas com que votos isso aconteceria? Ficamos em círculos. Se havia votos para isso por que os interessados não consumaram o fato? Se não havia, mais uma vez, por que parte da oposição diz ter trocado uma coisa pela outra? Não era possível rejeitar as duas? Se não havia votos para aprovar o distritão, tanto que se negociou outra coisa, e a oposição também era contra as coligações, por que não rejeitou os dois? Parece que os defensores do distritão queriam era as coligações.
    Será que parte da esquerda também não queria? Para salvar partidos amigos, como o PCdoB, que precisa se coligar para alcançar as metas de eleitos e se manter vivo, e agradar pequenas siglas que poderão ser úteis na dura corrida presidencial de 2022? O deputado pedetista Pompeu de Mattos, velho crítico das coligações, autor da primeira proposta de proibição dessa gambiarra eleitoral, sustenta que o distritão era bode na sala. Não para trocar uma coisa pela outra. Mas para dar um discurso aos que tivessem de defender as coligações e depois explicar essa mudança de posição aos críticos e eleitores inconformados. “Por que vocês mudaram?” Depois de um breve silêncio: “Bem, é muito claro, para salvar o país do distritão”. Parece não bater. Há quem diga que o distritão, que favorece caciques, celebridades e quem tem grana para campanhas caras, até pode ser menos pior do que as coligações nas proporcionais. Não entrarei nessa.
    Ficou tudo com muita cara de jogo de cena. Se não foi, os petistas votarão todos no Senado contra as coligações. Na lógica, faltou algo.

 


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895