Valor triplicado

Valor triplicado

A desmedida do fundão eleitoral

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Max Weber, clássico da sociologia, defendia a política profissional para que a gestão pública não ficasse só nas mãos dos ricos “abnegados”. Em “Política como vocação”, texto que jornalistas e políticos devem ler, ele cravou”: “Há duas maneiras de fazer política. Ou se vive “para” a política ou se vive “da política”. A distinção era cristalina: “Daquele que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que ‘vive da política’ e diremos, no caso contrário, que ‘vive para a política’”. Mas Weber não achava que políticos não devessem ser remunerados por suas funções. Viver para a política sem ganhar significava para ele as “camadas dirigentes” seriam recrutadas por “critérios plutocráticos”. Estilo presidentes de grandes clubes.

Findemos o nariz de cera com a clareza de Weber: “Ou a atividade política se exerce ‘honorificamente’ e, nesta hipótese, somente pode ser exercida por pessoas que sejam, como se costuma dizer, ‘independentes’, isto é, por pessoas que gozam de fortuna pessoal, traduzida, especialmente, em rendimentos; ou as avenidas do poder são abertas a pessoas sem fortuna, caso em que a atividade política exige remuneração”. Weber, em tom de ingenuidade, observava que não pretendia atribuir à “direção plutocrática”, os ricos, intenção de “tirar vantagem de sua situação dominante com o objetivo de também viver da política, explorando essa posição em benefício dos seus interesses econômicos”. Imaginem só se um rico pensaria uma coisa dessas!

Quase sempre que alguém defende a desprofissionalização da política a conclusão é líquida e certa: rico. Deixo ao leitor pensar em nomes novos para essa velha ideia. Weber não contava com nossa antropofagia: vive-se mais para a política quanto mais se vive da política e em confortável situação plutocrática. Política pode render mais do que a bolsa de valores. Até sem se praticar ilícitos. O fundão bilionário projetado para as campanhas eleitorais de 2022 é uma demonstração do quanto Max Weber hoje seria visto com um ser, digamos, “cringe”. Para viver “da” política e “para” a política alguns políticos querem generosos meios para garantir que não ficarão desempregados.

A quem serve o político? Em tese, aos cidadãos, não só aos que o elegeram. Na prática, muitas vezes, a si mesmo quando se trata de decidir entre o interesse de reprodução eleitoral e o famoso bem comum, expressão que designa algo incomum. A campanha não pode ser mais barata? Pode. Seria mais ainda se fosse adotado o sistema distrital pelo qual se busca o eleitor nas vizinhanças. Será mais cara se aprovarem um monstrengo chamado distritão, que faz de enormes Estados um território onde caçar votos. No Rio Grande do Sul, do Chuí a Alpestre. Alguns que vivem “da” política querem triplicar o valor do fundão, de R$ 2 bilhões para R$ 5.7 bilhões. Só pode ser a inflação. Como se sabe, política é arte de fazer chover no lugar certo. Ainda bem que nem todos os políticos vivem “da” política. Há quem, com a devida remuneração, viva “para” a política, aquela que glorifica a democracia.


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