De Julian Assange à pandemia

De Julian Assange à pandemia

Sobre opacidade e transparência

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      Já está quase esquecido, pois tudo passa, menos o coronavírus, com a rapidez do MAR no Internacional. Julian Assange, fundador do site Wikileaks, passou sete anos entocado na embaixada do Equador, em Londres. Australiano, acusado de estupro na Suécia, ele vazou ampla documentação sigilosa dos Estados Unidos na internet, inclusive dados sobre um ataque aéreo a Bagdá. Assange vive sob os auspícios da política londrina. Os Estados Unidos tiveram o pedido de extradição que fizeram negado pela justiça inglesa. A Suécia encerrou o processo que mantinha contra ele. Por que então o ativista continua preso?

      Um dos maiores crimes que alguém pode cometer é revelar os podres estatais, ainda mais quando o Estado em questão é a maior potência mundial. Se Assange pudesse sair da prisão e vir atuar no Brasil possivelmente traria à tona os incríveis segredos do caso envolvendo o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, cujo dossiê foi colocado sob sigilo de cem anos pelo exército brasileiro. Os americanos não costumam ter segredos tão longevos. É que, por hipótese, não devem enfrentar situações tão constrangedoras. Julian Assange e Edward Snowden são dois nomes que fazem tremer os defensores de segredos de Estado. Como podem ter segredos estados democráticos?

      A Lava Jato também tinha subterrâneos. O hacker Walter Delgatti acabou come eles e fez o STF mudar de ideia sobre decisões tomadas em relação ao ex-presidente Lula. Assange talvez continue preso por representar um perigo aos segredos alheios. Os velhos donos do poder ainda têm muito a aprender sobre os novos invasores das cidadelas tecnológicas. Enquanto políticos aprendem a fazer lives, ciberanarquistas matam articulações pretensamente imparciais. Um jovem nerd só não pode ser mais perigoso do que uma tropa de velhas raposas. Se um hacker invadisse uma reunião do Centrão, o que se saberia? Reli Platão e Aristóteles tentando antecipar a resposta. Não encontrei. A minha conclusão é modesta: os gregos não eram tão manhosos assim.

A política e a justiça dependem dos hackers. Talvez por isso alguns queiram tanto o voto impresso. Curioso é que na história eleitoral mortos sempre votaram em cédulas de papel. No passado, as urnas davam criam, engrossando a população de um lugar. O papel aceita tudo. Aceitava votos que não existiam. Mas que podiam ser recontados quantas vezes se quisesse. Na recontagem, porém, podiam diminuir ou aumentar. A verdadeira eleição acontecia na apuração, que podia durar mais do que o mandato ou o tempo suficiente para render uma crônica de Machado de Assis ou o empastelamento de uma sede partidária. Assange teria dificuldade em sobreviver nessa época. Os métodos eram outros.

O que é o segredo em política, diplomacia e justiça? Pelo que se lê nas revelações dos citados, verdades ditas entre duas garfadas ou antes do envio de um ofício em linguagem pouco esclarecedora. Nada que caiba numa obra de referência. Daí o anacronismo dos gregos clássicos. Como se sabe, a política é arte de dizer pouco com muitas palavras.

Enquanto isso, o Brasil passou dos 500 mil mortos pelo coranavírus. Nunca os videntes de direita erraram tanto.


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