Druk, um porre de contradições

Druk, um porre de contradições

Oscar de melhor filme internacional romantiza o álcool

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      “Druk, mais uma rodada”, dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Confesso que não entendi. Melhor dizendo, fiquei pasmo. O filme parece ter uma mensagem, ainda que mensagens em arte sejam coisas ultrapassadas: o álcool pode matar, mas faz viver intensamente. Quatro professores de ensino médio resolvem beber todo dia, com base na suposta ideia de um filósofo, que nega ter sustentado isso na "orelha" de um livro, de que o ser humano nasce com déficit de álcool no sangue. São quatro caras de meia idade afundados na crise profissional. A vida pessoal também vai mal. O resultado das bebedeiras é imediato: o professor de história passa a dar grandes e criativas aulas. Os alunos aprendem mais e passam a adorá-lo. A vida fica mais divertida.

      Todos perdem a timidez, saem do marasmo e ficam criativos. O professor de educação física vira ídolo de um menininho tímido e maltratado pelos colegas. Um aluno problemático é aconselhado a tomar umas doses para passar no exame. Funciona. Cinema não tem compromisso com aconselhamento de quem quer seja. Não existe para dar exemplo, mas não deixa de dizer algo. Em todo caso, fica a pergunta: por que mesmo “Druk” foi premiado? Vinterberg é daquele time chamado de “Dogma 95”, que adora uma provocação barata. Mil desculpas pelo spoiler, mas não vejo outro jeito: um dos professores morre. Ainda assim, a apologia continua. O contido se liberta. Dança, pula, voa. Tudo fica mais leve com uma bebedeira.

      Alguns críticos acham que o filme oscila entre o moralismo e o elogio do alcoolismo. Ainda que um casamento acabe, embora pareça ao final que será retomado, e uma morte, a história faz tudo para indicar que depois da mudança de hábitos os rapazes saíram do tédio para os melhores momentos de suas vidas maduras. Pagam micos, dão vexame, levam reprimendas da direção, podem morrer, mas não se arrependem. Viram heróis dos alunos. Não posso negar, mesmo que me chamem de moralista, que fico imaginando a reação de adolescentes ao filme.

      Um especialista diz que o filme é sobre a alegria de viver e que recomenda beber moderadamente para quebrar o tédio. Engraçado, não vi isso. A ideia que me passou é a da impossibilidade da leveza sem um combustível externo que faz mais mal do que bem. Outro crítico diz que é uma boa comédia, recurso que se usa para absolver obras que derrapam na irresponsabilidade, brincando com coisa séria. Sempre ando na contramão dos cinéfilos. “Professor polvo” ganhou como melhor documentário. Acho que daria um excelente curta de 15 minutos. Filmes bons não faltaram nas mais diversas frentes, inclusive o vencedor, “Nomadsland”. Entre os melhores que vi, “Meu pai”, “Crip camp”, Os sete de Chicago”, “O som do silêncio” e “Era uma vez um sonho”. "Quo vadis" merecia muito mais o Oscar de melhor filme internacional. Cada um faz o filme que quer e cada um gosta do que puder ou quiser. A crítica também é livre, acertada ou errada. O melhor de “Druk” é a ironia sobre aquelas metáforas tradicionais, esnobes e ocas sobre vinhos, aromas, etc. Ajudam a legitimar o uso contínuo de álcool como algo charmoso. Quando vê, já se tornou dependente.

      Num site chamado sintomaticamente de “Guia de cerveja” li a análise certamente mais coerente, dada a natureza do veículo, digamos assim, sobre o filme dinamarquês oscarizado. O acerto final estaria em “abordar a indeterminação dos efeitos do álcool sem se prender a questões sociais e, principalmente, morais. E isso dá a Druk uma grande a agridoce sequência final, sem a óbvia condenação ao uso da bebida”. Uau! Não defendo a proibição de álcool. Apenas duvido que ele ajude a melhorar casamento, passar em prova, tornar a vida mais leve e dar boas aulas.

A Academia do Oscar, pelo jeito, tomou um porre.

Apesar dos efeitos desagradáveis, das perdas e dos problemas criados pelo álcool, o filme parece dizer que, feitas as contas, vale a pena. Romantização defensiva. O melhor remédio contra a crítica é chamar o crítico de moralista.


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