O ópio do povo

O ópio do povo

Nem o futebol, o ópio do povo, serve como manobra diversionista capaz de desviar ou dividir a atenção do fogo que arde em Brasília. O ópio do povo hoje é a política

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Termina Corinthians 1 x 1 Juventude. Espero pelos noticiários da madrugada para saber da repercussão. 
O agora milionário time paulista, dono da segunda maior torcida do país, havia tropeçado diante do modesto rival caxiense pela última rodada do turno do Campeonato Brasileiro. 
Não apenas isto. O Juventude jogara melhor os 90 minutos e deveria ter vencido na noite em que o Timão de Giuliano e Renato Augusto havia promovido a estreia de Róger Guedes.
“Multidão faz ato a favor de Bolsonaro neste 7 de setembro. Manifestantes levam cartazes contra Bolsonaro. Bolsonaro volta a ameaçar autoridades do STF. Manifestantes a favor de Bolsonaro invadem Esplanada dos Ministérios...”
E os jornais televisivos seguem na mesma batida. Nada do jogo. É política, política e política. 
Lá pelas tantas lembram que haviam sido realizados dois jogos pelo Brasileiro. No outro, a Chapecoense perdera em casa para o Fluminense. Vejam: este resultado interessava a vários times,, entre eles o Grêmio.
O empate do segundo time de maior torcida do Brasil ganha alguns segundos. Fim. O assunto volta a ser Bolsonaro, seus apoiadores e seus críticos.
Seguindo o rastro de uma máxima do idealizador do comunismo Karl Marx, que dizia que a religião é o ópio do povo, o genial Nelson Rodrigues acusava os esquerdistas modernos de acharem que o futebol, sim, era o ópio do povo. 
Não sei se foi Nelson Rodrigues a cometer a frase de que o futebol é o ópio do povo. Sei que o futebol monopoliza a atenção de bilhões de pessoas e muitas vezes já foi utilizado por governos. Nos anos de chumbo surgiu a estratégia do “onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional.” 
O Brasileiro chegou ao final do turno. Num passado não tão recente o futebol pelo menos dividiria o foco dos noticiários, hoje concentrado no coronavírus e na política. 
Nem o futebol, o ópio do povo, serve como manobra diversionista capaz de desviar ou dividir a atenção do fogo que arde em Brasília. O ópio do povo hoje é a política. 
O debate político provoca nas pessoas uma inaceitável e cega instabilidade emocional. Surgimos alienados, entorpecidos, diante de uma inflação galopante, da alta dos combustíveis, do explosivo preço do gás e da luz e o churrasco de sábado está seriamente ameaçado pois exige empréstimo bancário para comprar a carne. Logo, logo o grama da carne vai concorrer com o do ouro.
Cresci ouvindo o ditado "política, religião e futebol não se discutem." Como não discutir política, futebol e religião? Impossível sequer imaginar uma cultura sem religião, uma política sem líderes e um mundo sem futebol. 
Pensar diferente não ofende. Ou pelo menos não deveria ofender.


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