Inundada

Inundada

Alina Souza

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Incansavelmente tento tocar paisagens, mas elas são fluidas, escorrem. O sólido logo se funde, inunda os olhos. Melhor assim: entrever realidades através de cortinas líquidas, reflexos, reversos; decifrar os contornos diluídos nessa torrente que nos envolve. Se o tempo passar, que ele passe — sem expectativas que retorne. Amanhã seremos outros, outras serão as águas. Talvez claras, talvez turvas, gradativamente mais profundas. A experiência potencializa o mergulho, aos poucos se sobrepõem as camadas de histórias e pontos de vista. Películas que dissolvem traços duros, recombinam planos. Oceanos. Um véu de vivências interpostas na relação entre o eu e o mundo. Projeções do que ficou lá no fundo, memórias afetivas diante das presenças transitórias. É preciso assumir a troca de lugares, a nitidez que dança, flui, envelhece. Renova. O homem passa de bicicleta, o passarinho canta, a cidade pesa com seus edifícios lá atrás, a atmosfera arremessa a promessa de que vai mudar. Dispensável discurso, sabemos que o rio está em curso. E, pelo nosso bem, afoga, afaga, escapa, transcende.


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