Um conto sobre o inestimável

Um conto sobre o inestimável

Alina Souza

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A luz do sol era quase insuportável nas costas do menino que subia, junto a sua família, em direção às casas amontoadas. Lá poderia descansar, descarregar o conteúdo do carrinho de supermercado, ver a esperança brilhar em meio ao descarte tal qual a claridade que acertava sem dó o seu corpo de poucos quilos e densos sonhos. Metais, plásticos e cartolinas trariam mais fôlego para a comunidade e o menino sabia que as coisas tinham tanto valor, mais do que ele mesmo queria acreditar. Descobria um impulso que vencia o pesar dos resíduos, e se sentia forte. Uma sensação que não precisava de botão, pilha, tomada: algo tão diferente das máquinas. Lembrou-se do aborrecimento dos pais ao falarem do alto custo dos produtos, sorriu ao dar-se conta que, pelo menos, o sentimento não tinha preço, bastava olhar para frente, fazer o máximo para não desistir no meio da estrada. Que fosse o caminho da escola, quem sabe dali a uns anos um trabalho de doutor, uma avenida de casas bonitas, um lar cheio de sorrisos. Apesar do contrafluxo, desejava sentir mais essa força de conduzir as coisas — sem ser derrubado por elas.


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