Entendimentos

Entendimentos

Alina Souza

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Sem imaginar que poderia dar certo, atirou-se no lago e descobriu que sabia nadar. Pensou em como a liberdade derivava das escolhas e ousadias e quis sentir os pelos molhados, a distância do solo, o pensamento flutuante.

Sentiu-se quase humano e esforçou-se para afastar tal sensação. Melhor era a vida canina: o desembaraço de agir como dava vontade, destituído de hipocrisias e disfarces.

Brincou de brigar com a água a fim de ver como ela se revelava viva. Uma inundação de existência que represava, fluía, deslocava-se entre as patas, entrava pelas narinas.

Latiu, esperou a resposta, percebeu que não falavam a mesma língua, aceitou o silêncio — uma forma secreta de entendimento.

Havia encontrado uma parceira de algazarra, líquida e constante. Mas não infinita. Nem o dia era para sempre, tampouco a resistência física seria suficiente para manter-se em movimento na água durante as próximas horas.

O cão deparou-se com limites e doeu lembrar que o corpo também parava. No caminho de volta à margem, compreendeu que ser livre abrangia não só a coragem das tentativas, mas também a valentia de lidar com as fragilidades.


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