Abrigo

Abrigo

Alina Souza

Escola Alvarenga Peixoto foi utilizada como abrigo de famílias desalojadas pela inundação no bairro Arquipélago.

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No contexto do frio, da chuva, do rio adentrando ruas, um menino expressava a resistência de seu próprio mundo, local tão alto e seguro que as águas sujas não conseguiram alcançar. Estávamos na Escola Alvarenga Peixoto, na Ilha dos Marinheiros, abrigo das famílias desalojadas pela inundação no bairro Arquipélago, Porto Alegre. A criança envolvida na magia do quadro negro despertou em mim um sol que fez arejar a realidade alagada de desalento. Enquanto as mulheres ajeitavam os pertences sobre as classes, o menino aproveitava a louça livre da sala de aula. Profissionais de saúde cochichavam sobre sintomas de uma população em perigo. Impossível o corpo não sentir os efeitos da baixa temperatura, ainda mais quando a fluidez gélida toca os pés, os joelhos, a cintura. Toca, mas não afoga sonhos, criatividade, manifestos. A pequena mão conduzia o giz decidida, sem tremores. Traçava formas claras na superfície obscura, como se prescrevesse lições para o futuro. Observei mais um pouco, apertei o botão do obturador e vi, em segundos, o engajamento infantil dar lugar à maestria de um professor.


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