Espaços e seu impacto na saúde

Espaços e seu impacto na saúde

Por Henrique Massaro

Henrique Massaro

"Já temos uma série de evidências científicas que nos sugerem esse impacto que o ambiente tem no ser humano, em especial na questão da saúde. Inclusive, a área de ambientes hospitalares, ou ambientes de saúde, está com muita base em estudos que já foram feitos."

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Após dois anos de pandemia, com vários meses de home office para boa parte dos trabalhadores, talvez tenha ficado clara a influência do ambiente em que estamos com a maneira como nos sentimos. A arquiteta Gabriela Sartori, de São Paulo, mostra que, mais do que mera percepção, essa relação é comprovada cientificamente. Certificada em neurociência e arquitetura, design e urbanismo pela Newschool, dos Estados Unidos, ela esteve em Porto Alegre recentemente, palestrando no 22º Congresso de Stress da ISMA-BR. Com experiência como instrutora de neurodesign em eventos internacionais de arquitetura no EUA e na China, ela detalha como os espaços impactam, inclusive, na saúde das pessoas.

Como a arquitetura e a neurociência se relacionam?

As áreas das neurociências são áreas de conhecimento que podem ser aplicadas em diversas outras áreas, são conhecimentos que nos dão base para entender sobre o comportamento humano. Isso é extremamente relevante para qualquer área de conhecimento, não seria diferente com a arquitetura. Trazer conhecimentos da neurociência para poder aplicar essa base em desenvolvimento de projeto é a base fundamental da neurociência aplicada à arquitetura.

A maneira como os ambientes são pensados e projetados podem influenciar na saúde dos indivíduos? De que forma?

Com certeza. Já temos uma série de evidências científicas que nos sugerem esse impacto que o ambiente tem no ser humano, em especial na questão da saúde. Inclusive, a área de ambientes hospitalares, ou ambientes de saúde, está com muita base em estudos que já foram feitos para identificar quais seriam os elementos que poderiam auxiliar na saúde das pessoas. Um dos precursores dessa área é o psicólogo Roger Ulrich, que foi um dos pioneiros a tentar identificar o ambiente como um item restaurador. Isso foi em um estudo de 1984. Ele mediu a recuperação de pacientes no pós-cirurgia, daqueles que estavam internados em quartos que tinham uma vista para a natureza e outros que tinham a vista da janela para muros de tijolos e foi muito significativo o resultado que ele teve na medição da recuperação desses pacientes. Identificou-se que, naqueles que estavam internados em quartos que tinham vista da natureza, houve diminuição de medicação. Eles tomaram menos medicamento do que os outros e tiveram uma recuperação muito mais rápida. Eles identificaram que essa questão do ambiente, em especial a vista do ambiente, poderia, sim, afetar a recuperação dos pacientes. Hoje, isso já está muito mais desenvolvido, inclusive tentando entender o impacto do ambiente nos profissionais de saúde, aliando tanto a performance quanto o número de erros que têm justamente por conta do ambiente em que estão. Hoje, também já conseguimos identificar isso em outras áreas, como na urbana, por exemplo. Já sabemos, em função de evidências, que o ambiente urbano impacta muito a questão da saúde mental, o que numa cidade de campo não teria tanta evidência assim. 

Esse tipo de influência se dá mais na área de saúde mental? Como?

Já conseguimos verificar tanto na saúde física, através desses estudos do Roger Ulrich, como na saúde mental nesse exemplo que eu usei na relação com os ambientes urbanos. Inclusive, acho que a pandemia evidenciou muito isso, o quanto as pessoas, dentro das suas casas, aquelas que não se sentiam bem naqueles lugares, começaram a ser impactadas na questão da saúde mental, com relação ao ambiente em que elas estavam vivendo.

De maneira geral, o público está ciente do impacto que o ambiente tem em sua vida?

Acho que a pandemia veio para justamente tornar as pessoas mais conscientes do impacto do ambiente. A maioria ainda não está ciente disso, mas acho que, a partir do momento em que as pessoas se viram obrigadas a ficar dentro de ambientes, sem poder sair, interagir, ter outra relação com qualquer outro tipo de ambiente externo, isso trouxe para elas uma consciência e uma relação diferente com o ambiente em que estavam e aí começaram a perceber o impacto. Vemos isso nitidamente com as pessoas que hoje buscam reformar suas casas, mudar. Houve um grande movimento de pessoas que saíram das grandes cidades e foram morar em cidades do Interior. As pessoas começaram a se dar mais reflexão, mas muito relacionado pela questão da pandemia. 

E os arquitetos que não se dedicam a estudar a neurociência? Podemos dizer que têm consciência de como sua profissão influencia até na saúde das pessoas?

Os arquitetos que ainda não estão cientes de como o desenvolvimento e o comportamento humano se dão ainda estão pouco cientes sobre o impacto que o ambiente pode causar nas pessoas. Pelos menos, as pessoas que começam a estudar conosco e a se aprofundar nesse tema começam a despertar a consciência delas diante dessa responsabilidade, coisa que antes elas não se atentavam justamente por desconhecimento.

Após a pandemia, a preocupação do público com a organização das suas casas aumentou?

Acho que não somente a questão da organização, mas também a questão de deixar arrumado, deixar o ambiente acolhedor, aconchegante, de se sentir parte daquele espaço com questões pessoais, afetivas. Acho que isso mudou bastante, assim como a questão da natureza. As pessoas começaram a se dar conta de que trazer um pouco a natureza para dentro das casas poderia auxiliar no bem-estar delas. Vejo, sim, que houve uma mudança muito grande de mentalidade de pessoa/espaço após a pandemia.

Que dicas você dá na hora de se pensar um ambiente?

Ao se pensar um espaço tem que pensar em muitas coisas. Primeiro, depende do espaço. Mas vamos dizer que estamos falando de um espaço residencial. A primeira coisa é se aprofundar num briefing com seu cliente, tentando, primeiro, entender as expectativas e quem é essa pessoa. Como ele enxerga o mundo? Como percebe o ambiente à volta dele? O que ele valoriza? Quais os itens que ele tem um apego emocional? Esse apego emocional é positivo ou negativo? A primeira grande questão é se aprofundar num briefing para entender, de forma mais profunda, para quem você vai projetar. E, a partir dessas informações mais aprofundadas, começar a desenvolver o projeto com base, sim, em evidências científicas e neurocientíficas que podem embasar as soluções de projeto que você vai trazer, mas nunca deixando o cliente de lado e só evidenciando o lado científico. É sempre buscar as evidências e tentar entender se ela são coerentes para aquele cliente ou não, porque às vezes podem não ser. 


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