Muito além do terror

Muito além do terror

Por Carlos Corrêa

Carlos Corrêa

"Nós temos um levantamento de quanto dinheiro o Fantaspoa traz para a cidade. Um impacto econômico do montante injetado na economia, entre passagens, hospedagens, alimentação, transporte e tal, varia, nestes 18 dias, entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão."

publicidade

Neste final de semana, chega ao fim a 18ª edição do Fantaspoa, um dos mais importantes festivais dedicados ao cinema fantástico em todo o mundo. Ao longo das últimas três semanas, Porto Alegre recebeu um total de 188 filmes, que vão muito além das produções de terror, um dos destaques do evento. Destes, mais de 30 tiveram seus lançamentos mundiais a partir da Capital. Neste bate-papo com o Correio do Povo, o diretor geral e produtor executivo do Fantaspoa, João Pedro Fleck, fala sobre o processo de curadoria, que chega a contar com mais de 800 produções, sobre os custos e investimentos que o evento pode trazer para a Capital e, por fim, revela quem são os diretores que o Fantaspoa ainda sonha em trazer para as salas de Porto Alegre.

Qual o balanço da 18ª edição do Fantaspoa?

Estávamos fechando os números prévios e, até a segunda-feira à noite \[quando ainda faltavam seis dias para o fim do festival\], tínhamos 120 mil espectadores on-line em quatro dias \[a programação online começou apenas no dia 22\], uma média de 30 mil por dia e, nos 12 primeiros dias do presencial, havia dado mais de 6 mil espectadores, ou seja, mais de 500 pessoas por dia, todo dia. O nosso objetivo como festival é mostrar para as pessoas filmes que elas não tenham ideia do que sejam. Pode ler a sinopse, ver o trailer, mas o pessoal entra para descobrir mesmo.

Foram mais de 30 estreias mundiais. Como é a negociação para um filme estrear mundialmente no Fantaspoa, em Porto Alegre?

São vários níveis de estreias. Foram 16 de longa-metragem e mais uns 20 em curta-metragem. O que acontece é que o Fantaspoa tornou-se a maior janela para a América Latina para o cinema fantástico. Curta-metragem, comercialmente, é algo que não vende, é um produto de festival. Então, estar no Fantaspoa é algo que garante um alcance de público muito grande. Tem um curta brasileiro, “Sayonara”, que já passou de 3 mil visualizações. Para o longa-metragem, é uma oportunidade muito grande de, no futuro, angariar outros festivais.

Neste ano, há produções tanto de mercados como EUA, Brasil, Argentina e Espanha, como de outros mais incomuns, como Letônia, Filipinas, Grécia e Irã. Como é o processo para se chegar a essa diversidade?

Recebemos para a edição deste ano 850 filmes, dos quais entre 250 e 300 longas e o restante de curtas. Disso tudo selecionamos 188. Quando começamos a seleção, pensamos de que país é o filme. Ah, está vindo da Letônia? Opa, em toda a história do Fantaspoa, não recebemos dez filmes da Letônia, então vamos analisar com um cuidado especial. Noruega, Irã, a mesma coisa. Se a gente for pegar EUA, Argentina, Brasil e Espanha, esses quatro países representam 70% das inscrições que recebemos. E a gente quer fazer o mais amplo possível. Então para um filme dos EUA estar aqui, teoricamente ele precisa ter uma qualidade mais alta do que um filme da Letônia.

Você falou em qualidade. Ainda há um preconceito a ser derrubado em torno dos filmes de terror ou de determinados estilos das produções do Fantaspoa?

Sim, para quem é fã deste tipo de gênero, em um filme como “Tokyo Gore Police” \[produção japonesa de 2008, cultuada por seu estilo gore\] a medida passa a ser a quantidade de sangue falso utilizado. E acho isso uma coisa sensacional. Para fazer um gore, um splatter bem feito, quantos litros é preciso \[em “Tokyo Gore Police” foram 4 toneladas\]? Já que é para se divertir vendo isso, vamos ver quem é o cara que vai botar mais sangue no filme. Inclusive este ano temos uma novidade dentro do festival, que é a mostra Mondo Bizarro, com filmes um pouco mais fora do padrão do que é o evento. Mas se pegar a nossa seleção, principalmente a Ibero-Americana e a Internacional, 75% dos filmes podem ser assistidos por quem detesta produções de terror que mesmo assim a pessoa vai adorar. Temos comédias, dramas psicológicos. Temos “O Segundo Sol”, que é um belíssimo filme da Rússia, que fala sobre a vida cotidiana de uma aldeia perdida nos montes russos. Coisas que não têm nada de trash, muito pelo contrário.

O processo de curadoria dura quanto tempo?

As inscrições vão de agosto a janeiro. E a definição final vai até um mês antes do festival. Então são oito meses inteiros fazendo a curadoria. Depois, a gente tem o mês prévio, que é o que tem mais trabalho. Tanto eu como o Nicolas \[Tonsho, também diretor geral e produtor executivo do Fantaspoa\] trabalhamos, em média, tranquilamente 60 horas semanais por nove meses.

Os nomes de vocês também aparecem em muitos filmes como tradutores. Além da curadoria, isso também cabe a vocês?

Desta vez, o Nicolas fez a legenda de todos os 70 curtas. Dos 91 longas, eu fiz 55. Só nós dois, entre curtas e longas, legendamos 125 filmes.

E dá para se divertir?

É cansativo e é muito bom. Estamos prestes a tornar o festival sustentável. Não consigo nos imaginar com um trabalho mais recompensador, mas é muito cansativo. O normal é trabalhar 60 horas por semana, mas quando chega no mês que antecede o festival, tranquilamente tem semanas que a gente trabalha 80 horas, algumas 90.

Você comentou sobre sustentabilidade. São três semanas de festival, vocês trazem muitos diretores, os filmes passam em cinco salas. Não sei se vocês falam abertamente sobre custos...

Não tem problema, é dinheiro público, é nossa obrigação abrir. Entre tudo, hoje em dia está na faixa de R$ 400 mil, o que é muito barato para um evento destes. Um festival perto do nosso, com qualidade similar, não custaria menos que R$ 2 milhões.

Porto Alegre subestima o impacto turístico e econômico que o festival pode ter?

Nós temos um levantamento de quanto dinheiro o Fantaspoa traz para a cidade. Um impacto econômico do montante injetado na economia, entre passagens, hospedagens, alimentação, transporte e tal, varia, nestes 18 dias, entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão. Gastos aqui em Porto Alegre que não existiriam se não fosse o festival. Hoje, nossa marca é a qualidade de programação. Tem filme que o pessoal pode não gostar, mas vai sair sabendo que viu algo novo, que se surpreendeu, não é “Vingadores 25”, ainda mais dublado, que é o que o cinema se tornou.

Por fim, se vocês pudessem escolher qualquer diretor ou realizador para vir em uma edição futura, quem seria? Quem é o grande sonho do festival?

Quem a gente já tentou trazer e acha que vem algum dia são só dois, que a gente sonha e acha viável, é tudo uma questão de grana e agenda: o John Landis \[de “Um Lobisomem Americano em Londres” e do clipe “Thriller”, de Michael Jackson\] e o David Cronenberg \[de “A Mosca” e “Um Método Perigoso”\]. Desses dois já tivemos contatos. O John Landis esteve por vir. E assim, sonho mesmo, que eu colocaria a grana que fosse, se a gente tivesse, seria o David Lynch e o Mark Frost, para fazer um especial do \[seriado\] “Twin Peaks” dentro do Fantaspoa. Em 2019, estivemos perto de trazer o \[diretor\] Guillermo del Toro \[de “A Forma da Água” e “O Labirinto do Fauno”\].

 


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895