Victor Callil: "a legislação ainda precisa definir melhor os parâmetros de circulação de patinetes"

Victor Callil: "a legislação ainda precisa definir melhor os parâmetros de circulação de patinetes"

Taís Teixeira

Victor Callil, coordenador das pesquisas em mobilidade urbana do Núcleo de Desenvolvimento do Cebrape

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Veículos de Mobilidade Pessoal (VMPs) elétricos são meios cada vez mais comuns nas cidades brasileiras, principalmente bicicletas e patinetes elétricos. Essa tendência amplia a necessidade de se pensar em medidas para melhorar a circulação nas cidades. Para compreender melhor a mobilidade urbana, a Fundación Mapfre e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrape) lançaram o estudo “Segurança viária e veículos elétricos para mobilidade pessoal no Brasil: contexto, percepções e perspectivas”. Nesta entrevista para o Correio do Povo, o coordenador das pesquisas em mobilidade urbana do Núcleo de Desenvolvimento do Cebrape, Victor Callil, fala sobre segurança viária nas cidades e sibre conceitos como micromobilidade, que se refere a deslocamentos relativamente curtos e individualizados feitos via VPMS.

Qual é o conceito de segurança viária?

Tecnicamente, a segurança viária refere-se a métodos de operação e gestão do deslocamento de pessoas e veículos com vistas a reduzir ao máximo as ocorrências de trânsito. Nesta pesquisa, o conceito de segurança viária é aquele que pensa no ordenamento do tráfego como um elemento que fortalece a ideia de que as cidades devem ser pensadas para as pessoas. Esta perspectiva está em diversas publicações de instituições focadas em estudos desse tipo. O centro não está na fluidez dos automóveis ou na qualidade de equipamentos de proteção individuais (EPIS), mas sim no comportamento dos diferentes atores do trânsito associado às políticas públicas de gestão e organização do tráfego. Pensar segurança viária do ponto de vista macro, como um instrumento de promoção da mobilidade a pé e da bicicleta (elétrica ou não), é importante, pois vai ao encontro do que se busca na vida das cidades: sustentabilidade, equidade, acessibilidade e segurança por meio de espaços públicos de qualidade.

Quais parâmetros definiram o estudo sobre segurança viária?

Para a definição do estudo, precisamos, primeiro, elaborar o objeto. Os Veículos de Mobilidade Pessoal (VMPs) elétricos, sobre os quais nossa pesquisa se debruça, possuem diversos estudos no Brasil de maneira dispersa. São ótimos materiais produzidos por instituições como a Fundacinón Mapfre, a Aliança Bike, o Labmob, o ITDP, além de estudos acadêmicos. Entretanto, cada um deles se aprofunda em questões específicas sobre o tema, como ciclo logística, mercado de e-bikes ou sistemas de compartilhamento. Tendo em vista que o consumo de VMPs elétricos é tendência crescente no Brasil, acreditamos que era necessário um trabalho que voltasse alguns passos e elucidasse algumas diretrizes sobre as quais esses veículos vêm sendo tratados na academia e no mercado. Assim, o contexto no qual os VMPs elétricos aparecem é o da micromobilidade, deslocamentos relativamente curtos e individualizados que, por sua vez, são impulsionados pela ideia de smart cities (cidades inteligentes). No trabalho, desdobramos esses conceitos de forma mais aprofundada. No Brasil, os VMPs elétricos são representados principalmente pelas e-bikes e patinetes elétricos e, com menor número de usuários, monociclos elétricos, hoverboards e segways.

Quais foram as conclusões?

As principais conclusões do estudo é que, com exceção da bicicleta elétrica, a legislação brasileira ainda precisa definir melhor os parâmetros de produção e circulação desses veículos. Além disso, por meio de um exercício exploratório de coleta de dados com ocorrências de trânsito envolvendo esses veículos no Brasil, identificamos que as bicicletas elétricas possuem um padrão de ocorrência bastante semelhante ao da bicicleta convencional, principalmente em situações de colisão em cruzamentos de via e colisões ocasionadas pelo ciclista estar em um ponto cego do condutor de motorizados mais pesados. Elemento este, o ponto cego, que a indústria automobilística, com toda a sua tecnologia, não conseguiu mitigar.

Já entre os usuários de patinete, aparentemente, é mais comum a queda do condutor sozinho. Isso pode ocorrer em função de ser um meio de transporte ainda novo e existe um tempo de aprendizado para que o condutor se habitue com questões relativas à velocidade, ergonomia e sistemas de freios, por exemplo. Outro ponto levantado é que os VMPs elétricos ainda estão acima do orçamento do brasileiro, sendo produtos mais utilizados por classes sociais mais abastadas, muito embora o preço venha baixando consideravelmente nos últimos anos. Por fim, é interessante ressaltar o papel dos sistemas de compartilhamento de VMPs elétricos.

Em nosso trabalho, trouxemos o caso do Ifood Pedal, operado pela Tembici, que oferece o uso compartilhado de bicicletas elétricas a entregadores de aplicativos. Sistemas como esse são extremamente interessantes, pois promovem a democratização dos benefícios oferecidos pelos VMPs elétricos como ampliação do alcance da viagem, auxílio em terrenos acidentados com muitos aclives e, no caso dos entregadores, potencial aumento nos ganhos decorrentes das entregas.

Esse conceito já existe em lei?

Em termos nacionais, temos a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) de 2013 que estabelece algumas diretrizes para os chamados “equipamentos de mobilidade individual autopropelidos”. Estabelece limites de velocidade (20 km/h nas ciclovias/ciclofaixas e 6 km/h nas calçadas). Além disso, traz alguns detalhes mais específicos sobre as bicicletas elétricas relativos à potência (350 watts) e velocidade máxima do motor (25 km/h). Além de estabelecer que, para ser considerada bicicleta elétrica, o motor deve ser acionado somente via pedais, sendo vetada a possibilidade de aceleração manual. Mas cabe aos órgãos municipais de trânsito regular a circulação desses veículos. Não existe, entretanto, detalhamento legal para outros veículos (como patinete, segway, monociclos elétricos, etc.) em termos de potência, velocidade ou circulação. Somente uma diretriz geral.

O que significa micromobilidade? Como essa ideia pode ser integrada à sociedade?

Micromobilidade é um conceito recente. Ele surgiu em feiras de produtos para mobilidade urbana. Os estudiosos do tema ainda definem de diferentes formas em termos de veículos, distâncias percorridas ou velocidades alcançadas. Todas as definições, entretanto, convergem para apontar as micromobilidade como deslocamentos individualizados que prescindem do transporte público e de veículos individuais mais pesados, podendo ainda ser representada por pequenos trechos de viagens que complementam deslocamentos maiores, como por exemplo, o trajeto da estação do trem ou do metrô até o destino final. Tecnicamente são deslocamentos que sempre fizemos em nossas cidades. A diferença é que, de uns tempos para cá, a tecnologia permitiu que serviços e veículo passassem a se tornar parte da paisagem urbana. Um exemplo são os sistemas de compartilhamento de bicicletas presentes em diversas cidades do Brasil. Esses produtos e serviços ajudam a organizar, otimizar, baratear e melhorar a forma como esses deslocamentos curtos ou complementares à matriz estrutural de transporte são feitos.

Qual é a definição de VMP e a sua importância para a matriz urbana?

Veículos de Mobilidade Pessoal (VMPs) são veículos levíssimos para transporte individual. Em alguns países, como Espanha, essa denominação é utilizada apenas para veículos movidos à energia elétrica. No Brasil, este ainda é um conceito pouco utilizado. Os VMPs (elétricos ou não) têm papel extremamente importante na mobilidade das cidades. As versões elétricas permitem ampliar o alcance de veículos similares movidos à propulsão humana. São muito menos poluentes do que os veículos pesados, ocupam menos espaço nas ruas, sua capilaridade costuma ser muito boa em função do tamanho do veículo, etc. Assim, os VMPs podem ser tanto alternativas sustentáveis para deslocamentos de curta ou média distância, como uma opção para a complementaridade do sistema de transporte público estrutural das cidades por meio de serviços de compartilhamento de veículos como bicicletas e patinetes.


Como está a implementação no Rio Grande do Sul? Há levantamento que indique o volume de usuários e categorias (idade, sexo, classe…)?

Porto Alegre conta com o Bike Poa desde 2012. Embora não seja um sistema de veículos elétricos, cumpre a função de complementaridade ao transporte público, bem como permite que seus usuários façam viagens, dentro do perímetro de operação, de maneira rápida e sustentável. A cidade também foi palco de experiências de sistemas de bicicleta dockless e patinetes elétricos nos últimos anos. Já sobre o perfil de usuários de VMPs elétricos no Brasil – foco do estudo em parceria com a Fundación Mapfre –, o que se percebe é que a maior parte da população usuária é formada por homens, de renda média-alta e moradores da região Sudeste.

Como está o incentivo por meio de políticas públicas?

No âmbito municipal, nos últimos anos, muitas cidades têm avançado bastante na ampliação de suas malhas cicloviárias. Algumas, ainda, têm reduzido as velocidades máximas permitidas em suas vias e aumentado a fiscalização sobre motoristas que trafegam em alta velocidade. Já em âmbito federal, algumas mudanças na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) são bastante preocupantes, especialmente aquela que, recentemente, ampliou a pontuação permitida decorrente de infrações de trânsito de 20 para 40. Isso serve como prêmio para maus motoristas e passa a sensação de desconexão com o que se fala em termos globais de segurança viária: redução de velocidades, aumento da fiscalização e promoção de um ambiente seguro na via para aqueles que, em função do modo como trafegam, são mais vulneráveis: pedestres e ciclistas.

Os VPMs são mais indicados para que perfil de localidade?

Os VMPs não são indicados para um perfil específico de localidade. Eles podem ser absorvidos e seu uso adaptado mediante a realidade urbana que se apresenta. Em cidades pequenas e médias, por exemplo, onde muitas vezes os deslocamentos são relativamente mais curtos, o uso de VMPs pode substituir viagens que seriam realizadas de automóvel, de transporte público ou mesmo a pé. Já em cidades maiores, além de substituir viagens com essas características, os VMPs são ótimos instrumentos para compor a chamada “primeira/última milha” (do inglês first/last mile). Ou seja, trechos finais ou iniciais de viagens para acessar o transporte estrutural (seja metrô, trem ou ônibus) ou para partir deles até o destino final da viagem. Nesse sentido, os sistemas de compartilhamento de VMPs cumprem papel fundamental.

Em quais países essa prática está mais avançada?

Em termos de VMPs elétricos, os países europeus têm avançado mais em criar diretrizes de circulação, regulamentação e coisas do tipo. Além disso, pensando no cenário econômico e no baixo custo relativo que esses veículos têm por lá, trata-se de um produto muito mais acessível. Países como Espanha, Holanda e Dinamarca, por exemplo, possuem não apenas diretrizes claras de circulação e ambiente viário mais propício ao uso, mas também um mercado de produtos mais aquecido.

O que deve ser feito para aumentar ou melhorar o incremento dessa modalidade no Brasil?

Em países como o Brasil, onde o custo do VMP elétrico ainda está acima do orçamento das famílias, uma boa forma de inseri-los de maneira mais intensa na matriz de transporte das cidades é por meio dos sistemas de compartilhamento. Estes sistemas devem ser pensados junto com a oferta de transportes locais, alimentando o sistema estrutural e dando vazão aos passageiros em regiões de trânsito mais adensado, tornando-se alternativa para deslocamentos curtos em áreas centrais. Se pensarmos no VMP elétrico como bem de consumo, é importante que o governo, em todas as instâncias, adote políticas fiscais que incentivem o mercado e que os benefícios resultantes do uso desses veículos possam ser usufruídos por diversas classes sociais.


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