Juliano Madalena, professor da FMP: "Não há economia de mercado sem consumidor"

Juliano Madalena, professor da FMP: "Não há economia de mercado sem consumidor"

Sidney de Jesus

Juliano Madalena, advogado e professor da FMP

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Professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), o advogado Juliano Madalena, de 33 anos, é doutorando e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Especialista em direito digital, ele fala ao Correio do Povo sobre os avanços e as mudanças do Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor completou 31 anos dia 11 de setembro. Neste período, quais foram as principais evoluções?

Pela perspectiva macro, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) viabilizou intensas mudanças jurídicas, sociais e econômicas. Com o ingresso do macrossistema protetivo do consumidor, ocorreu uma efetiva virada cultural quanto ao modo de conviver com as relações de consumo. O consumidor antes era visto como presa econômica e a sua função nas operações de mercado era reduzida a transferência de recursos em troca de produto ou serviço. Após o CDC, paulatinamente, o consumidor passou a ocupar a centralidade das operações econômicas. Não há economia de mercado sem consumidor. Para alcançar tal status, inúmeras foram as bravatas judiciais. Como tudo no Brasil, não há lei que resista, isoladamente, aos questionamentos que buscam atingir a sua centralidade. Assim, o Judiciário teve indispensável participação para a manutenção da estrutura protetiva. Um dos principais marcos foi a Adin 2591, que reconheceu a aplicação do CDC nas relações bancárias. Recentemente, a grande vitória foi a Lei 14.181 de 2021, que atualizou o Código para estabelecer a estrutura necessária de tratamento do superendividamento.

O que ainda necessita ser melhorado na legislação? Quais os principais desafios?

Os principais desafios orbitam na efetividade dos direitos. Podemos assumir que o Legislativo, a doutrina e o Judiciário assumiram o seu papel de manutenção dos direitos dos consumidores. No entanto, é indispensável que se intensifique as práticas que busquem conceder efetividade aos direitos. Os agentes de mercado possuem indispensável responsabilidade nesse sentido.

O CDC permanece atrelado à necessidade de tutela legal das relações de consumo. Quais às novas tendências e a realidade nessas relações?

Com o advento da sociedade digital, o principal desafio está na tutela do consumidor no ambiente digital. A tecnologia ao mesmo tempo que aproxima, também pode afastar. Em razão da alta carga técnica, o ambiente digital precisa dispor de instrumentos que respeitem o direito do consumidor. Destacamos a necessária proteção dos seus dados pessoais, bem como a utilização sadia de algoritmos dotados de inteligência artificial. Não podemos retroceder e reduzir o protagonismo do consumidor.

As relações de consumo melhoraram no Brasil? Por quê?

As relações de consumo melhoraram justamente em virtude do ambiente jurídico e social que se estabeleceu. Os fornecedores de produtos ou serviços encontram no direito do consumidor barreiras intransponíveis de proteção. O caminho, portanto, foi de respeito e atendimento ao CDC. As instituições financeiras e empresas telefônicas empregaram esforços em reduzir o número de litígios. Ainda temos um importante e longo trajeto a percorrer, mas devemos assumir que houve progresso.

Com o crescimento do comércio eletrônico, foram adicionadas normas ao Código de Defesa do Consumidor?

Em março de 2013 sobreveio o tímido Decreto nº 7.962, que intensificou pontos já previstos no CDC, como o direito à informação. Já em 2018, com efetiva plena eficácia ocorrida nesse ano, a Lei Geral de Proteção de Dados ingressa no ecossistema protetivo do consumidor.

A pandemia da Covid-19 impulsionou o cidadão a consumir mais pelas plataformas digitais. O CDC está adaptado à expansão do ‘e-commerce’, compras coletivas e a maior aquisição do consumidor brasileiro no exterior?

A pandemia intensificou o consumo on-line. Naturalmente, todo o comércio eletrônico passou a atender as demandas dos consumidores que reduziram as idas aos estabelecimentos físicos. Também se identificou a passagem de negócios que antes estavam apenas no ambiente físico, para o virtual. O consumidor permanece protegido no ambiente virtual. Há especial atenção ao conhecido prazo de arrependimento (sete dias) das compras realizadas fora do estabelecimento, bem como interpretação favorecida quanto à qualidade dos produtos ou serviços ofertados em um espaço intangível.

Como é feita a defesa do consumidor em relação aos aumentos abusivos de serviços e tarifas públicas, como a energia elétrica?

O consumidor possui delicada proteção quanto ao serviço de fornecimento de energia elétrica, que, por ser medido e fornecido individualmente, também está sujeito ao CDC. Contudo, a intervenção e controle do Estado nesse setor é indissociável da sua natureza. Por se tratar de serviço público, o consumidor está sujeito às variações de preços advindas de fenômenos externos, como a crise hídrica. Entende-se que inobstante tenhamos intensa intervenção do Estado no serviço tipicamente público, as concessionárias de energia estão vinculadas ao regramento do CDC, principalmente quanto ao corte do serviço em casos exclusivos de inadimplemento por parte do consumidor.


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