Roberto Esser dos Reis: "A mata no sul da Amazônia está praticamente desaparecida"

Roberto Esser dos Reis: "A mata no sul da Amazônia está praticamente desaparecida"

Christian Bueller

Roberto Esser dos Reis, Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS

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Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, Roberto Esser dos Reis recebeu o prêmio ‘Robert H. Gibbs Jr. Memorial Award for Excellence in Systematic Ichthyology’, considerado o prêmio de maior prestígio da ictiologia mundial, ramo da zoologia dedicado ao estudo dos peixes. A premiação (concedida até hoje apenas a 33 pesquisadores) foi oferecida pela Sociedade Americana de Ictiologia e Herpetologia (ASIH). O docente de 61 anos, o terceiro brasileiro a receber o reconhecimento, falou sobre a paixão pelos peixes, a pesquisa no Brasil e o contexto de mudanças climáticas para a biodiversidade.

Como foi receber esta premiação?

Foi algo que me deixou muito feliz e honrado, pois veio da sociedade mais importante da ictiologia no mundo. Além de um prêmio em dinheiro, recebi uma placa que veio pelo correio. O mais importante foi o reconhecimento, que aconteceu durante o congresso anual da ASIH, que foi on-line este ano, via Zoom.

O presidente da comissão julgadora destacou a sua contribuição científica, evidenciada nos 165 artigos publicados e a descoberta de 129 novas espécies de peixes. Como é feito este trabalho de pesquisa?

Estas espécies que descobri e descrevi para ciência ocorreram ao longo dos últimos 40 anos. O prêmio é, na verdade, sobre o corpo do trabalho de uma vida. Não fiz sozinho, obviamente, contei com colegas e estudantes, inclusive de pós-graduação. Na América do Sul, conhecemos cerca de 6 mil espécies de peixes em água doce, é o continente que tem mais destes animais. Mas nossa estimativa é de que existam 9 mil, algo que já referi em artigo de 2016, ou seja, faltam 3 mil espécies por descobrir. É um trabalho que requer muito conhecimento sobre os peixes, fazemos comparações com morfologia e DNA com espécies que encontramos. A parte mais legal é o trabalho de campo, viagens a vários lugares, Amazônia, Pantanal, Andes, onde coletamos os peixes e trazemos para o Museu de Ciência e Tecnologia PUCRS, a segunda maior coleção de peixes do Brasil, com quem temos grande parceria.

Qual a sua especialidade enquanto pesquisador?

Sou especialista em cascudos, vou estudando, junto dos colegas e alunos, e vamos publicando artigos, alguns deles em revistas científicas e livros. As espécies são grupos de organismos que consideramos pertencer a uma linhagem evolutiva. Para chegarmos a esta conclusão, precisamos demonstrar que existem diferenças morfológicas e moleculares que nos façam ver que aqueles bichos são mais parentes entre si do que com outras espécies. Cascudo é uma família muito grande, são mais de mil espécies, assim como os lambaris. Já os outros 4 mil peixes são de outras espécies.

Quanto tempo leva para precisar que se trata de uma espécie nova?

Por ser especialista em uma espécie, já conhecemos bem aquele peixe do nosso grupo de estudo. Quando estou no campo e coleto um peixe que não conheço, já “acende uma luz”. Levo ao laboratório, extraio o DNA, preparo o esqueleto e comparo com outros peixes deste grupo. O processo todo, que inclui estudar e publicar um artigo científico, costuma levar de um a dois anos. Mas, visitando o Museu de Zoologia da USP, em São Paulo, achei espécie nova de cascudo coletada há 30 anos. Pode depender muito.

De onde e quando veio a sua relação com peixes? Desde pequeno?

Quando fiz 60 anos, minha mãe me deu de presente um desenho que fiz quando eu tinha cinco. É um fundo de rio com três peixes, todos com diferenças de nadadeira, uns têm bigode que nem bagre, eu mesmo fique impressionado. Coloquei em um quadro e pendurei na minha sala na PUCRS. Desde aquela época, já era alucinado por peixe, tinha aquário em casa. Minha mãe é de São Lourenço do Sul e íamos veranear lá. Pegava peixinhos, colocava em uma compota e trazia para Porto Alegre. Tenho até peixe tatuado em mim. Produzo uma cerveja artesanal que se chama Cascuda.

Como o senhor avalia a pesquisa no Brasil?

O Brasil tem um parque científico maravilhoso e duas coisas muito importantes para esta área: gente muito capacitada e uma natureza privilegiadíssima. Os estrangeiros vêm para cá para estudar biodiversidade. Mas, nos últimos anos, tivemos problemas muito sérios de financiamento para pesquisa. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) está praticamente quebrado, não tem dinheiro. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que financia e dá bolsas aos estudantes, está com extremas restrições. Tudo ligado à ciência e pesquisa está mal no Brasil. O governo federal é antipesquisa, mas é algo transitório, muda a gestão, mudam-se as políticas. Fora isso, o país tem uma capacidade muito boa para pesquisa e muitas pessoas bem informadas em biodiversidade, com doutorado aqui e no exterior.

Como as mudanças climáticas prejudicam a fauna existente e a descoberta de novas espécies?

Percebemos que, na última década, descobrimos espécies já ameaçadas de extinção. Trabalho nisso há 40 anos, o que, na evolução da natureza, não significa nada, é um instante, mas neste período já vimos muitos riachos na Mata Atlântica que deixaram de existir, simplesmente secaram por falta de chuva. Quando comecei, o cerrado era uma floresta grande e densa. Hoje em dia, a maior parte já foi cortada, virou lavoura. A mata no sul da Amazônia está praticamente desaparecida. A retirada da floresta seca as nascentes. Esses peixinhos desaparecem junto. Perdemos espécies que nem foram descobertas. Temos uma sensação que estamos correndo contra o relógio para descobrir novas espécies. Há uma estimativa de que 10% das espécies de peixes estão com risco de extinção, 314 no Brasil. Só de água doce, fora os marinhos.

E o que podemos fazer para reverter este quadro, se possível?

A gente precisa conhecer as coisas para ter interesse por elas. E precisa ter interesse para conservar. Se não conhece, a gente não se interessa nem percebe que a coisa está se perdendo. Tudo na natureza é assim, é preciso preservar, mas para isso, é preciso conhecer. A água é um dos recursos mais ricos, mas veja a seca no Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, a maior do último século. Isso decorre do desmatamento. O que chove é a água que evapora da Amazônia, que vem pelos rios de nuvens. Sem floresta, essa água não vem mais. É um assunto que deveria ser mais cuidado no Brasil.


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