Paulo Olympio: “A minha história se confunde com a da Associação dos Servidores da Justiça do RS”

Paulo Olympio: “A minha história se confunde com a da Associação dos Servidores da Justiça do RS”

Sidney de Jesus

Paulo Olympio, advogado, servidor público aposentado e presidente da Associação dos Servidores da Justiça do RS (ASJ)

publicidade

Advogado e servidor público aposentado, Paulo Olympio, de 70 anos, é presidente da Associação dos Servidores da Justiça do RS (ASJ) e recebeu a Medalha da 55ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Estado (ALRS). Ele dedicou mais de 30 anos da sua vida para garantir os direitos do funcionalismo público e fala ao Correio do Povo sobre sua história e trajetória à frente da ASJ.

O que representa para o senhor receber a Medalha da 55ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Estado (ALRS)?

Essa homenagem da Assembleia Legislativa representa muito mais do que pode parecer. Compreendo que é uma grande honra e, vinda pelas mãos da deputada Juliana Brizola, me é mais cara ainda, pessoa que sempre me tratou com fraternal distinção. Chega em um momento de grande ataque ao serviço público como o compreendemos, como sinônimo de atendimento com alto sentido social, especialmente aos setores mais fragilizados. Contudo, essa medalha também chega, particularmente, com um senso de dever cumprido. Mostra que segui o caminho certo. E que o menino que pintava paredes procurou fazer o seu melhor pela sociedade. Quando recebi a notícia dessa homenagem, tive a certeza de uma coisa: posso não ter mudado o mundo, mas dei toda minha dedicação e carinho para fazer o máximo que podia por todos aqueles que pude alcançar. E, para mim, isso já é o suficiente.

Como surgiu o interesse de representar o funcionalismo público e como foi o início da trajetória na Associação dos Servidores da Justiça do RS (ASJ)?

Cheguei ao Poder Judiciário de um jeito inusitado. Trabalhava de auxiliar ao lado de meu pai na pintura da casa de um escrivão. Depois de um serviço bem feito, ele me indicou para um amigo que precisava de um contínuo – hoje o office boy – para atuação em seu cartório e isto ocorreu em julho de 1967. A contratação ocorreu direto com o Distribuidor do Foro Central, Júlio Bolívar. Trabalhei dez anos ali e fui crescendo aos poucos. Quando saí do cartório, já era o substituto do titular e deixei o trabalho porque passei em um concurso público para o cargo de distribuidor contador. Ali eu já tinha me apaixonado pela cachaça que é trabalhar com a Justiça. Cheguei à ASJ por indicação de Cristiano Roos, que assumiu a Distribuição do Foro Central. A Associação estava em processo eleitoral e foi construída a minha candidatura para o cargo. Vencemos a eleição em chapa única e, desde então, tenho a honra de representar os servidores da Justiça. Tivemos muitos momentos de duro embate político. Mas o que me trouxe até aqui e me ajudou a construir uma história de 35 anos de dedicação ao bem-estar dos servidores é a consciência de que é a luta constante que te permite conquistar e manter direitos.

Ao longo deste período, de que forma a ASJ contribuiu para o Judiciário gaúcho ser reconhecido como um dos mais eficientes do país?

A ASJ é uma entidade de classe que tem portas abertas. Somos conhecidos por manter um diálogo construtivo entre os Poderes e acredito que essa relação de cordialidade e integridade marca a nossa jornada. Desta forma, participamos de diferentes frentes de trabalho. Debatemos a criação e extinção de cargos e avaliamos os inúmeros Planos de Carreira que se apresentaram ao longo dos anos. Recentemente, por exemplo, ajudamos, ao lado de outras entidades de classe, a compor o projeto que tramita na ALRS. Finalmente, os servidores da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul terão um Plano de Cargos e Salários. Somos o último dos estados do Brasil a aderir ao modelo, apesar de sermos reconhecidamente o Tribunal mais eficiente. A ASJ também deixou sua marca em conquistas históricas dos servidores em âmbito nacional. Foi a nossa diretoria que articulou emenda na Constituinte de 88 que garantiu os reflexos da autonomia administrativa e financeira aos serviços auxiliares, em emenda patrocinada pelo deputado constituinte federal Ivo Mainardi. Um conjunto de 24 ações judiciais encabeçadas por esta associação garantiu recuperação de perdas de 11,98% decorrentes da conversão de salários em URV, a partir da circunstância de que uma delas transitou em julgado e foi incluída na folha de junho de 2004, para os primeiros 30 autores, permitindo a extensão, por decisão administrativa promovida pelo então presidente do TJ, desembargador Osvaldo Stefanello, ao conjunto dos servidores da justiça. São conquistas que ficaram na história. Hoje, talvez os servidores mais novos nem saibam disso. Mas é uma trajetória escrita com muito empenho por pessoas abnegadas.

O senhor dedicou a sua vida à causa do funcionalismo público. Quais os principais obstáculos e as maiores conquistas?

Vencemos muitas batalhas. Mas gosto de dizer que os grandes ensinamentos vêm sempre das batalhas que perdemos. Do alto dos meus 70 anos, entendo que temos que saber recuar quando necessário. Aprender com nossos erros. Porque é claro: acertamos muito, mas erramos também. Dediquei minha vida a uma causa: ao bem de meus colegas. Muitas vezes abri mão de tempo com minha família, de ver meus quatro filhos em suas pequenas conquistas e hoje de viver a aposentadoria, após 54 anos de trabalho, ao lado de meus netos. Mas sou o tipo de pessoa que acredita em causas maiores. Nessa jornada, enfrentei inúmeras batalhas: lutamos pela Previdência, pela manutenção dos direitos aos pensionistas e usuários do IPE e criamos mais de duas dezenas de organizações de classe. Foram federações, centrais, associações. Tudo para mostrar que o exercício de poder tem que levar em conta o poder e a voz da classe trabalhadora. Porque é isso que representamos: as pessoas, suas famílias e o direito de trabalhar com dignidade para assegurar seu bem-estar, sua vida. Dentro dessa ótica, os maiores obstáculos foram a constante transformação nas relações de poder, com alteração permanente das regras da vida em sociedade, o que, em certos momentos, chega a causar a sensação de insegurança jurídica, e as maiores realizações, a consistência dos enfrentamentos realizados a partir de estruturação de instrumentos de lutas como as entidades sindicais e associativas criadas, de primeiro grau ou nacionais, para fazer presente a voz do servidor nas três esferas de poder.

Como surgiu a ASJ, quantos associados têm atualmente e quais os benefícios oferecidos aos servidores?

A ASJ foi fundada em 1º de julho de 1944 em Santa Maria por um conjunto de serventuários, ainda antes do fim da Segunda Guerra Mundial, momento complicado na história mundial mas que, internamente, já apontava para a proximidade da redemocratização que culminou com o processo constituinte de 1946. Na sua fundação aglutinava a categoria dos servidores dos foros e dos cartórios extrajudiciais como os tabelionatos, registros, etc. Depois de alguns anos, teve sua sede transferida para Porto Alegre, exatamente para garantir maior representatividade junto aos Poderes. Contudo, até hoje, é mantida uma unidade em Santa Maria, onde prestamos diferentes tipos de atendimento, inclusive gabinete dentário. Entendemos que nosso principal papel é o de representação e zelo pelos direitos dos associados, mas oferecemos uma gama gigante de convênios e serviços. Na Capital, temos uma ampla sede campestre, onde há estrutura para os sócios com canchas esportivas, salões e piscinas, além de gabinete dentário. Dispomos de apartamentos de trânsito para servidores em pernoite em Porto Alegre e em Santa Maria. Ainda dispomos de assessoria jurídica em diferentes ações coletivas dos servidores. Atualmente, a ASJ tem perto de 8 mil associados ativos, sendo que 3 mil deles integram o quadro dos servidores da Justiça.

Quais são os próximos desafios da ASJ para garantir os direitos dos servidores públicos?

Nosso grande desafio pela frente é a política de reformas do governo. Tanto no âmbito federal quanto estadual. A reforma administrativa traz gatilhos e travas que podem prejudicar seriamente o futuro dos servidores e a qualidade e extensão dos serviços públicos. Se todas as propostas trazidas à baila forem aceitas, tememos que as carreiras no Judiciário comecem a se tornar desinteressantes. Isso já começou a ocorrer com a Reforma da Previdência. Afinal, as pessoas buscam o serviço público porque querem prestar o seu trabalho com a segurança e a independência que a estabilidade proporciona. No momento em que se tira a estabilidade do servidor, fica abalado exatamente o alicerce que torna essa função infensa a pressões e manipulações. E sempre há grande polêmica envolvendo a questão eficiência. O discurso político de desmonte sempre vem com a tese de que a estabilidade permite ociosidade e inércia do funcionalismo. Isso beira ao ridículo. Quem diz isso está mal intencionado ou não conhece a fundo o serviço público. Muitos servidores levam processos para casa para concluir o serviço, dedicam-se como se o cartório fosse sua casa. Nos últimos tempos, em função da pandemia, realmente foi isso que aconteceu. A Justiça gaúcha ganhou milhares de minicartórios espalhados pelas casas dos colegas servidores. Nesse particular, certamente deveremos enfrentar brevemente a construção de regramentos, que contemplem essa mudança na lógica de prestação de serviço decorrente da inovação tecnológica.

Qual impacto a pandemia na luta da ASJ para representar os interesses dos servidores da justiça do RS?

A ASJ manteve-se atuante ao longo de toda a pandemia. Estabelecemos rodízios de funcionários com mudança de horários de ingresso e saída do trabalho, além de oportunizar o home office. Mas a diretoria nunca parou. Nunca participei de tantas reuniões ao mesmo tempo. Tivemos que nos reinventar em como dialogar com nossos parceiros, chefias e associados. Mas acho que vencemos essa batalha, pelo menos em pelo menos em parte. Digo isso porque muitos colegas servidores sucumbiram à pandemia. Vidas foram perdidas e mais poderiam ser se administração do TJ não tivesse sido sensível ao nosso clamor para que os cartórios fossem fechados. Neste momento, diversos funcionários já retornaram ao regime presencial, mas estamos adotando todas as medidas de segurança.

Quando termina a sua gestão como presidente da ASJ? Passados 30 anos, até quando o senhor pretende continuar contribuindo com a entidade?

A atual gestão da ASJ terminaria em setembro de 2020. Contudo, em função da pandemia e seguindo a Lei 14.030/2020, o mandato foi prorrogado devido à impossibilidade de realização de processo eleitoral, fato que se repetiu seis meses depois. Ainda está em avaliação a dinâmica a ser adotada para o próximo período, considerando a instabilidade das questões sanitárias. Sobre a minha contribuição, tenho certeza de que o farei até meus últimos dias. Sempre estarei disponível para meus colegas e a serviço dessa entidade pela qual tenho extrema consideração e respeito. Agora, se serei presidente até lá, isso é outra história. A ASJ e a classe sempre me terão a seu serviço.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895