Lucas Fuhr: "o consumidor deve refletir antes de envididar-se"

Lucas Fuhr: "o consumidor deve refletir antes de envididar-se"

Simone Schmidt

Lucas Fuhr, diretor do Procon/RS

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Diretor do Procon/RS, Lucas Salomon da Silva Fuhr analisa a lei recentemente sancionada que chega com o propósito de eliminar o superendividamento. A nova legislação altera ainda o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto do Idoso. Fuhr traz mais detalhes sobre as novas regras e dá orientações que podem ajudar na reorganização da vida financeira.

A chamada Lei do Superendividamento, sancionada em julho, chega para dar mais proteção. Ligações insistentes ou contratos pouco esclarecedores são alguns dos itens que as novas regras proíbem. Como fazer para que uma mudança assim efetivamente funcione, já que outras legislações tentaram conter o assédio e não houve resultados?

A questão do assédio é uma das facetas do endividamento dos consumidores. Nesse sentido, o Procon/RS fornece o serviço do Bloqueio de Telemarketing, que permite aos consumidores cadastrarem seus números informando que não querem mais receber ligações de telemarketing, de crédito ou de outros serviços. Se em 30 dias após o cadastro ele voltar a recebê-las, deve retornar ao site do Procon para fazer a denúncia, informando qual empresa voltou a importuná-lo com ligações. No caso da lei 14.181/21, percebe-se que as instituições financeiras terão de ser mais transparentes e honrar o direito à informação aos consumidores de crédito. Dados como custo efetivo total da operação, número de parcelas, taxa de juros deverão estar expressas e bem informadas antes da contratação. A solução passa por uma mudança na cultura de tomada de crédito, com consumidores mais responsáveis pela sua gestão financeira pessoal e com instituições financeiras mais transparentes. As recentes mudanças no Código de Defesa do Consumidor (CDC) representam um avanço.

Muita propaganda era feita em cima da oferta de crédito sem consulta ao SPC ou Serasa e sem comprovação de renda, o que agora não será possível. Esta proibição chega a ter peso para mudar a quantidade de crédito oferecido no mercado?

Creio que sim. As diversas formas de captar consumidores de crédito implicam muitas vezes gerar uma ilusão de facilidade de contratação sem que se perceba o risco que se corre. Isso porque uma contratação sem consulta ao órgão de proteção ao crédito, ou para quem já está incluso no serviço de proteção, significa, na maioria das vezes, um índice maior de juro. A proibição trazida pela alteração no CDC é uma tentativa de restringir esta modalidade de marketing agressivo, voltado à captação de consumidores mais vulneráveis. Fomenta-se a impressão de contratação de empréstimo ágil e descomplicada, mas na verdade costuma importar em juros altos e num posterior ciclo de endividamento.

À semelhança de uma empresa, o consumidor agora poderia pedir uma espécie de "recuperação judicial". Qual a diferença fundamental neste caso?

O que a lei introduz é uma modalidade de composição das dívidas, na qual se reúnem todos os credores e, a partir daí, o consumidor apresenta o plano de pagamento, ou a “recuperação financeira”. A possibilidade de realização deste tipo de processo, com todos os credores, junto ao Judiciário é nova. Na prática, será uma forma de reunião daqueles a quem o consumidor deve para estabelecer um plano de pagamento que vise uma melhor saúde financeira. No âmbito do Judiciário, não havendo êxito na conciliação entre devedor e credores, o juiz poderá compulsoriamente estabelecer as condições do plano, assegurando o direito ao valor principal do crédito, corrigido monetariamente, em benefício do credor. Atualmente, o consumidor procura uma forma de pagamento das dívidas de maneira individual com cada fornecedor, o que agora a lei inova tornando possível a reunião dde todos eles para firmar um plano geral de pagamento das dívidas.

Algumas empresas possivelmente não vão obedecer às novas regras, que levam a mudanças também ao CDC e ao Estatuto do Idoso. A partir de sua vivência, as reclamações dos clientes tendem a aumentar?

Creio que as pessoas superendividadas, até pouco tempo excluídas do mercado de consumo, vão passar a pedir ajuda e utilizar a nova lei em seu benefício. Iremos monitorar. Quanto às empresas, entendemos que quando há mudança das regras, o mercado geralmente busca paulatinamente adaptar-se e passa a internalizar as mudanças previstas em suas práticas, até mesmo para que se evitem litígios e ações na Justiça. Porém, invariavelmente algumas instituições demandam tempo maior para a nova realidade legislativa. O importante é que os consumidores saibam quais são as práticas permitidas e proibidas. Somente com a mudança na cultura de consumo de crédito, tendo um consumidor mais consciente e crítico, teremos avanços.

De todas as mudanças feitas para proteger o consumidor a partir da Lei 14.181, qual considera melhor?

As alterações são de grande valia e elencar uma delas é difícil, pois temos todo um novo procedimento proposto pela lei. Como conquista, destaco o processo de repactuação de dívidas dos consumidores superendividados, com plano de pagamento no prazo máximo de até cinco anos, inovação análoga à "recuperação judicial" já existente para as empresas.

Qual sua principal dica para que o consumidor consiga reorganizar as finanças diante de atrasos em empréstimos ou compras parceladas?

A principal dica é o planejamento. O consumidor deve fazer um planejamento financeiro. Não se deve fazer qualquer tipo de dívida de ímpeto, não se pode ceder às eventuais pressões para a contratação. Ao tomar crédito, compare as condições de adimplemento não só a respeito dos valores das parcelas, mas de juros e do custo efetivo total da operação. Passar a pesquisar antes de contratar é fundamental. Sempre alertamos também para que o consumidor reflita sobre a real necessidade de uma operação que envolva uma dívida grande ou ainda várias pequenas dívidas.


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