Leany Lemos: "Temos que olhar para a retomada"

Leany Lemos: "Temos que olhar para a retomada"

Gabriel Guedes

Leany Lemos, presidente do BRDE

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O Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, o BRDE, surgiu há 60 anos por meio de uma união dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com a meta de fazer do sul do Brasil uma região próspera. Primeira mulher à frente da instituição, Leany Lemos assumiu a presidência em dezembro de 2020, com a missão de conduzir o banco em meio ao desafiador cenário da pandemia da Covid-19, além de seguir preparando a instituição para o futuro.

Como o BRDE chega para estes 60 anos?

O BRDE é um banco muito importante, muito estratégico, e tem sido, ao longo destas seis décadas, um grande parceiro do desenvolvimento na região. Acumuladamente, são 200 bilhões que foram investidos e certamente alavancaram outros investimentos e promoveram a criação de empresas, de emprego e de riquezas. A gente tem muito incorporado no DNA do banco esta questão do impacto na região onde a gente atua. Agora, daqui para a frente, temos esta questão do passado, da história, de alavancar o desenvolvimento. Mas a pandemia veio como um grande desafio, afetando a economia global, refazendo prioridades e acelerando determinadas transformações, como a transformação digital. Mas é também uma grande oportunidade. E temos que olhar para a retomada: como vamos apoiar este momento atual e fazer uma retomada que olhe para o futuro, para um novo modelo de desenvolvimento, para um modelo de desenvolvimento sustentável, mais inovador e que impacte positivamente na qualidade de vida das pessoas? É um momento bastante desafiador, mas para nós, foi um momento em que passamos a operar com recursos próprios, passamos a reduzir nosso ticket médio, para poder atingir, com valores menores, para que a gente pudesse dar o suporte a pequenas e médias empresas. Então, também nos adaptamos um pouco. Mas acho que o mais importante foram as lições aprendidas com este momento da crise e aquilo que estamos prontos para fazer por meio das transformações que o BRDE passou ao longo deste ano e que vão abrir caminho para um futuro promissor.

Como tem sido a atuação do BRDE na mitigação aos efeitos da pandemia nos três estados do Sul?

O uso de recursos próprios foi muito importante e uma quebra de paradigma na instituição. Criamos um programa, que antes da pandemia era o Promove Sul, em que o banco destacou um capital de R$ 300 milhões para cada um dos estados (RS, SC e PR), mas como veio a pandemia, foi readaptado para que pudesse oferecer um capital de giro às empresas que estivessem em dificuldade. Mas foi um grande sucesso. A gente conseguiu uma análise mais eficaz, valores menores de empréstimo, favorecendo um público ainda maior. Outro elemento bastante importante foi operarmos fundos complementares, do governo federal, mas que atendeu a setores bastante atingidos pela pandemia. Um deles foi o Fungetur, o fundo do turismo, e o BRDE é um dos bancos, senão o maior banco em operação do Fungetur do país. Então, isso tem sido muito positivo, porque a gente tem conseguido dar um apoio significativo para este setor tão atingido. Mas nós também criamos, como um piloto para o RS, um programa chamado Economia Criativa, para nove setores diferentes, que estão classificados nesta taxonomia da Unesco, como patrimônio, arte, gastronomia, TI (Tecnologia da Informação), design, parte de eventos, de cultura, audiovisual e música e com isso conseguimos atingir um número significativo de empresas. E voltando à questão do Fungetur, temos R$ 150 milhões disponíveis para ser aplicados. Então, existe o que já foi feito e um potencial grande para a gente continuar dando suporte a este setor.

O BRDE chegou a lançar mão de mais alguma ferramenta durante a pandemia?

Nós fizemos algo bastante importante, que atingiu 25% da nossa carteira, que foi o sistema de suspensão de cobranças. No ano passado, isso ajudou muito os nossos clientes. Nós aderimos às regras pelo Bacen (Banco Central), por medida provisória, e o BNDES também criou esta suspensão, de março a outubro do ano passado, mas neste ano nós repetimos, para estas empresas que tomaram conosco os empréstimos. Também fizemos captação de recursos, tanto do BNDES ou de outros recursos nacionais, com o aumento deste volume, bem como as captações internacionais, que permitiram que a gente tivesse recursos para mitigar os efeitos da crise. Tudo isso foi muito importante para que setores possam fazer sua transição. Agora, tudo isso continua neste ano de 2021, neste período em que ainda é muito importante a gente dar este suporte, mas já olhando para umas questões, que, ali na frente, voltarão a aquecer, como a indústria, que tem crescimento no Sul acima da média do país. Na região, também é muito importante a agroindústria e o agronegócio como um todo. O banco tem uma participação muito grande, não só no financiamento de grãos, mas de serviços de armazenamento e logística. Então, com tudo isso, vemos com otimismo o crescimento neste ano. Mas que seja uma retomada mais verde, mais sustentável. Crédito é um dos fatores relevantes no desenvolvimento e isso, para nós, é um valor muito grande.

Quando a senhora assumiu a gestão da instituição, uma de suas metas foi a busca por novas fontes de recursos, de forma a possibilitar a ampliação da oferta de crédito. Como isso tem sido feito?

Dentro da trajetória dos 60 anos do BRDE, os últimos cinco anos foram um divisor de águas. Até então, só operava com fundos do BNDES e alguns orçamentários. E, nos últimos cinco anos, se iniciou um processo de captação internacional e, prioritariamente, hoje só temos captado por meio de acordos multilaterais. Temos contrato com a agência francesa, com o Banco Europeu de Investimento. Em captação, operações com o Banco Mundial, o BID e o NBD, o banco dos Brics, e conversas iniciadas com outros. Mas são processos um pouco demorados. Têm seus prazos, seus tempos. Têm que ser aprovados em Brasília e pelos bancos. Em alguns casos, tem que ser aprovada também a garantia pelos estados. Então, é um processo que leva muitos meses para que a gente consiga contratar. Por isso é sempre importante a gente ter estas negociações em andamento. A gente continua esta tradição, que dá mais autonomia, mais sustentabilidade financeira e reduz o risco de funding que o banco possa ter, que é não operar por falta de recurso. Mas além de ter o recurso, é muito importante o objeto, como quem serão os beneficiários dos recursos e quais serão estes objetos de contratação. Porque quando a gente começa a trabalhar com estas agências internacionais, existe uma pauta que é global e que no nosso país é menos explorada, mas cada vez mais ela se torna central, que é a pauta 2030 da ONU, dos ODS. Qualquer que seja o filtro, na verdade é uma governança mais baseada nos impactos que este crédito gera. Certamente para as empresas públicas, ela tem um papel muito maior, porque a gente tem como missão o bem-estar e o impacto na qualidade de vida das pessoas. É uma pauta de muita oportunidade, para nós, aqui na Região Sul, que é uma região que tem indicadores melhores que a média brasileira e um ambiente mais avançado. E temos que aproveitar esta potencialidade e construir uma ponte muito sólida sobre ele. O banco trabalha hoje com a sustentabilidade no planejamento estratégico, como meta, e o que nós queremos é que este crédito vá construir este novo desenvolvimento, que respeite as condições ambientais, mas que gere muita riqueza. Acho que em 60 anos, quando a gente olhar para trás, isso terá sido parte do desenvolvimento. Temos muito orgulho do que foi construído até agora e do que está sendo construído. A gente tem que ser otimista, porque este trabalho está sendo feito e vai impactar ali na frente.

O agronegócio é um setor fundamental na economia do sul. Como o BRDE vem atuando neste setor?

A gente tem trabalhado também com agricultura de baixo carbono. Mas sem dúvida, este é um desafio para todos: para a agricultura, para a indústria e, cada vez mais, para os empreendedores mais arrojados, que estão mais integrados globalmente. Há uma preocupação com a sustentabilidade e isso não passa despercebido por ninguém. Até porque para você exportar determinado tipo de produto, você precisa de certificações e isso está sendo observado pelas empresas que atuam em outros setores.

Na contramão desta crise, que tem introduzido um processo de desindustrialização no país, o BRDE tem se colocado como parceiro daquelas indústrias que buscam se reinventar. Como tem sido?

A gente tem uma participação bem grande da indústria na nossa carteira e claro que temos interesse em que se tenha projetos interessantes na área industrial, porque a gente sabe que gera um tipo de emprego, mais bem remunerado, que arrecada e gera um tipo de produto que gera arrecadação e tem uma série de efeitos positivos. Mas estamos muito abertos e sempre prospectando estes projetos industriais. Além destes, estamos buscando na área de inovação. O BRDE trabalha com recursos da Finepe, exclusivos para projetos inovadores, e também é o maior executor de recursos deste fundo no país. Então, claro que a inovação não está só na indústria, mas especificamente na indústria, a gente tem outros projetos que podemos financiar. E gostaríamos de financiar mais. Obviamente temos interesse em atrair e aí é algo que os três estados controladores, os três governos, têm se esforçado para trazer empreendedores para estes setores. Eu acho que a região Sul pode contribuir contra esta desindustrialização e temos, no escopo dos três estados, economias avançando acima da média brasileira.

Como tem funcionado o BRDE Labs, voltado para incentivar o setor de Inovação?

O BRDE Labs é a menina dos olhos do banco. É um projeto recente, novo, que trabalha na aceleração de startups. A gente, na área de inovação, tem uma atuação em três linhas diferentes, em que contratamos as aceleradoras, que fazem todo o processo de seleção e aceleração durante alguns meses, dando todo apoio e o suporte. No ano passado, foram 10 no Paraná e 12 no Rio Grande do Sul. É algo em que a gente está bem entusiasmado aqui, com um parceiro tecnológico que vai assumir o papel de aceleradora. A outra linha é a que investimos em fundos que investem em empresas de tecnologia e inovação. Estamos no Criatec, na Fip, na Anjo, e estamos em alguns fundos, cujo objeto são empresas de tecnologia e inovação. E tem uma terceira linha que é o própria Inova, que são projetos especiais com recursos do Finepe, que trazem um grau de inovação. Por aqui, já investimos no Instituto do Cérebro, então que tem uma parte de pesquisa associada e resultados diferenciados, que são esperados. Tradicionalmente atuamos nestas três linhas de financiamento. E neste ano estamos patrocinando dois projetos muito especiais aqui no Rio Grande do Sul. Um é o Women on the Road, junto com a Tecnopuc, que acelera startups de mulheres, que ainda são minoria, e o Developer Developers, um programa de desenvolvimento de programadores da escola pública, que serão 500 meninos e 500 meninas, em parceria com a Associação dos Parques Tecnológicos do Rio Grande do Sul e com a Associação das Empresas de Software, que, ao final, poderão absorver parte dos capacitados. É muito relevante que o banco esteja olhando para a tecnologia desta forma, porque passamos neste ano por uma profunda transformação, foi um setor que cresceu muito, vai transformar mais e de uma maneira muito acelerada. E, recentemente, no mercado financeiro, com as fintechs, está acontecendo uma outra revolução. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) tem um laboratório de inovação, o próprio Banco Central tem seus protótipos e os três estados têm um ambiente muito favorável ao desenvolvimento deste setor. É com muito otimismo que a gente olha para a menina dos olhos aí, para que tudo seja incorporado às outras atividades e tenhamos ganhos de produtividade, que supere os grandes desafios.

Como o BRDE preparara-se para os próximos 60 anos?

Acho que terá uma mudança interna muito relevante. Também teve uma mudança de transformação do banco, que migrou neste ano completamente para o digital. E isso é uma grande transformação e uma preparação para o futuro. Também em termos de capacitação, de preparação, de mudança de processos de trabalho, de olhar para a política de crédito, de captação, a sua política de exposição e também reforçando estes pontos, que falamos logo no início. Poder ter recursos disponíveis para o crédito e uma relação, que o banco tem, com algo que é muito relevante, que é o conhecimento das economias locais. O BNDES, por exemplo, mesmo com todos os recursos e potencialidade, não conhece a realidade do chão de fábrica como a gente. Nossos analistas têm uma expertise muito grande. Nossa preparação para o futuro passa por isso. E ter recursos para oferecer para projetos de futuro, incorporando o tema da sustentabilidade como norte, numa visão de futuro e a longo prazo, com uma coerência e convergência entre os três estados, para que a região alavanque. O BRDE vai continuar fazendo seu papel estratégico.


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