Fabiano Ramos: "Em nenhum momento da história foi produzida uma vacina em tão pouco tempo"

Fabiano Ramos: "Em nenhum momento da história foi produzida uma vacina em tão pouco tempo"

Médico lidera uma das fases da pesquisa no Estado para a descoberta de um imunizante para a Covid-19

Jessica Hübler

Fabiano Ramos está com uma importante missão na luta contra o novo coronavírus no Rio Grande do Sul

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O chefe do serviço de Infectologia do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Fabiano Ramos, está com a importante missão de liderar uma das fases de pesquisa dos testes clínicos da vacina contra o coronavírus no Estado. O Centro de Pesquisa Clínica do HSL foi um dos selecionados pelo Instituto Butantan, um dos maiores centros de pesquisa, desenvolvimento e produção de imunobiológicos do mundo, para realização dos estudos. 

Formado em Medicina pela PUCRS (1998-2003). Residência Médica em Infectologia HSL da PUCRS (2004-2007). Especialista em Infectologia pela Sociedade Brasileira de Infectologia e Associação Médica Brasileira. Preceptor da Residência Médica em Infectologia do HSL PUCRS, atualmente é Chefe do Serviço de Infectologia (início em janeiro de 2014 ) e do Serviço de Controle de Infecção do HSL PUCRS (início em Junho de 2012). Investigador Principal na cidade de Porto Alegre do DEN-03-IB Ensaio Clínico fase III duplo-cego randomizado controlado com placebo para a avaliação da eficácia e segurança da vacina Dengue 1, 2, 3, 4 (atenuada) do Instituto Butantan.

CP: Como devem ser os trabalhos nessa fase da pesquisa?

Fabiano Ramos: Na verdade os detalhes nem a gente sabe ainda, mas conforme o Instituto Butantan a ideia é iniciar os testes a partir do dia 20 de julho. Provavelmente devem começar pela Universidade de São Paulo (USP), que é o centro coordenador e depois devem ser expandidos, aos poucos, para os outros centros.

Isso não deve acontecer simultaneamente em todos os locais, com certeza não vamos começar no dia 20 de julho porque ainda existem todos os trâmites legais, da parte jurídica, além da montagem da equipe e tudo que precisamos receber do Butantan em termos de materiais para organizar a vacinação, então provavelmente isso não deve acontecer esse mês, deve ficar para agosto, apesar da rapidez que a gente está vendo em algumas coisas.

Para terem uma ideia da agilidade, estamos em testes da vacina da dengue, que participamos também em parceria com o Butantan, desde 2016. Claro que são doenças diferentes e a necessidade agora emergencial, mas por isso é um marco histórico essa produção vacinal agora, mas temos que ter muito cuidado porque precisamos respeitar os trâmites da pesquisa, para que tenhamos uma vacina realmente segura e eficaz.

Atualmente são 12 vacinas em fase clínica, de avaliação e quanto mais vacinas tivermos nesse momento, melhor obviamente, então nesse momento não estamos competindo com ninguém, tem pelo menos mais uma vacina em teste no Brasil e com potencial de recebermos outras vacinas para teste e a ideia é que, a gente espera, que todas essas vacinas realmente funcionem.

CP: Quem deve participar da pesquisa?

Fabiano Ramos: O Butantan funciona com bolsas de pesquisa, então precisamos chamar pessoas para trabalhar nessa modalidade, porque não é uma contratação. Temos ainda toda essa parte para aprovar as bolsas, montar a equipe, para então podermos iniciar e isso ainda vai levar um tempo.

Na verdade a gente precisa saber, primeiro, exatamente qual será o número de voluntários, para então fazermos o cálculo da equipe necessária para participar da pesquisa. Será um grupo multidisciplinar, que envolverá médicos, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de enfermagem, bioquímicos, técnicos de laboratório e alguns administrativos também, provavelmente. Temos uma equipe inicial, mas com certeza precisaremos de mais pessoas, porque isso também vai depender do tempo de mobilização, que é para ser de um a dois meses, o período de vacinação. 

CP: Como será a parte de voluntariado e vacinação?

Fabiano Ramos: Há todo um trâmite pois vacinar as pessoas no dia a dia não é tão simples, ainda temos toda a questão do termo de consentimento para participar da pesquisa, exames precisam ser coletados antes de o voluntário ser efetivamente inserido no estudo, para cada pessoa que se candidatar e chegar até o passo de ser vacinado isso leva, geralmente, em torno de pelo menos 45 minutos por voluntário.

Então precisamos de uma equipe grande, de um espaço que já está sendo pensado no HSL mesmo, que vai ficar separado exclusivamente para a vacinação, provavelmente junto do Centro de Pesquisa. Não sabemos o número exato, mas imagino que cerca de 800 pessoas serão chamadas. Tambem deve existir um pré-cadastro das pessoas através de um aplicativo, mas ainda não nos passaram esses detalhes. Sabemos que quem já teve a Covid-19 não vai poder participar, a vacina é para quem não teve e esse aplicativo deve ser disponibilizado a partir da semana que vem. 

CP: Os testes serão feitos em qual etapa da pesquisa?

Fabiano Ramos: É a fase final dos testes clínicos, esse é o momento em que o maior número de pessoas são testadas e o momento final antes que essa vacina chegue para a população. Uma parte das pessoas receberão placebo e a outra parte vai receber a vacina propriamente dita. E durante esse período, de um a dois meses, os dados serão comparados. Dentro da pesquisa clínicas, temos algumas fases iniciais, a fase 1 e a fase 2, e essa é a chamada fase 3, que é a finalização em relação ao número de participantes, é quando temos o maior número de pessoas que entram para que seja avaliado se realmente a vacina é segura e se é eficaz, se ela protege as pessoas. E depois dessa fase a vacina está pronta para chegar para a população. Assim que tivermos mais detalhes, vamos divulgar.

CP: Quando poderemos ter acesso aos resultados do estudo?

Fabiano Ramos: São dois tipos de resultado. Conforme o próprio Instituto Butantan, a expectativa é que essa primeira fase de avaliação da última etapa dos estudos esteja pronta até dezembro, ou seja, até o final do ano a gente deve ter essa primeira interpretação da análise dos resultados.

O outro tipo de resultado, que chamamos de segunda parte, é o acompanhamento dessas pessoas que participaram da pesquisa, a longo prazo. Claro que ficaremos acompanhando essas pessoas por um tempo de até um ano, pelo menos, onde a gente vai ver a proteção dessa vacina em um tempo maior, uma coisa é ver a proteção da vacina em um tempo curto, então os primeiros dados estarão prontos até dezembro, para que a vacina possa ser produzida e chegar para a população. A outra parte, de um acompanhamento a longo prazo, deve seguir pelo menos até a metade do ano que vem.

CP: Como seria a distribuição e a aplicação da vacina contra o novo coronavírus?

Fabiano Ramos: Já foi falado que existe uma espécie de pré-contrato, digamos assim, com a empresa SinoVac, que é a empresa que produziu a vacina, de 60 milhões de doses para trazer para o Brasil a curto prazo, e obviamente, até pelo Butantan ser uma empresa governamental, a ideia é que assim como as outras vacinas que são produzidas lá, seja uma vacina que é para a rede pública. Não tenho nenhuma outra informação diferente disso. A gente acredita que seja uma vacina que venha para a rede pública.

CP: Qual a importância de o Rio Grande do Sul estar inserido no contexto da pesquisa?

Fabiano Ramos: É muito importante para o hospital, como instituição, como parceria com o Butantan, especialmente para a população, a gente já começar a testar uma vacina para uma doença que está assolando todas as regiões do País e agora, especialmente, a nossa região. Participar desses testes é uma oportunidade imensa, assim como em outras oportunidades já participamos e seguimos participando, junto com o Butantan, de testes de outras vacinas, a importância é enorme, acho que é uma importância histórica, tanto pela questão da pandemia, tanto até pela questão de rapidez, em nenhum momento da história foi produzida uma vacina em tão pouco tempo.

CP: Por que chegar a uma vacina eficaz e segura é tão importante?

Fabiano Ramos: Justamente porque isso significaria parar essa doença e assim seria possível a gente poder voltar para uma normalidade da nossa vida que hoje não existe, para mais próximo dessa normalidade. Seria tentar interromper um vírus que hoje não tem tratamento um tratamento ainda definido que realmente tenha funcionamento, então a gente sabe que essa vacina seria de extrema importância.

CP: Existe a possibilidade de a vacina não garantir uma imunidade por muito tempo?

Fabiano Ramos: Esse é o objetivo da pesquisa, a gente entender como o vírus se comporta, como a vacina se comporta em termos de proteção, porque se daqui pra frente essa vacina ou esse vírus vão se inserir no nosso meio e na vida das pessoas como um vírus da gripe, por exemplo, não sabemos. Então pegando o exemplo da vacina da gripe, que a gente tem que fazer todo ano, a gente ainda não tem essa ideia de como esse vírus vai se comportar e principalmente como essa vacina vai se inserir no dia a dia das pessoas, ou no calendário vacinal que as pessoas hoje têm.

É uma vacina inativada, é o vírus inativado, é uma tecnologia que o Butantan já domina bastante, por isso também é uma vacina que tem uma capacidade de produção bastante grande. A tecnologia de produção dela seria semelhante também à vacina da dengue que já está em desenvolvimento e à da febre amarela.

CP: Quais foram os resultados iniciais da pesquisa?

Fabiano Ramos: Nos estudos iniciais, nas fases 1 e 2, foram quase 1 mil pacientes envolvidos, e isso mostrou um percentual baixo e bastante seguro de efeito colateral, até agora nenhum efeito grave sendo relatado nessas fases, e com uma produção de anticorpos acima de 90% nessas fases iniciais nas pessoas que foram vacinada. Os resultados demonstram que é uma vacina bastante segura e com uma proteção importante, claro que em tempo curto de avaliação, mas bastante eficaz. Teoricamente uma pessoa vacinada poderia até contrair o vírus, mas ela não apresentaria a doença necessariamente. temos anticorpos que bloqueiam essa entrada do vírus nas nossas células.


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