Thiago Ventura: "Não quero ser mais um comediante que dá risada da 'quebrada', eu quero rir com ela"

Thiago Ventura: "Não quero ser mais um comediante que dá risada da 'quebrada', eu quero rir com ela"

Humorista fala sobre o seu novo especial de comédia, ‘Pokas’, que estreou na Netflix e conquistou o primeiro lugar no Top 10

Camila Souza*

Thiago Ventura estreou o especial de comédia 'Pokas' no dia 2

publicidade

Quem espera assistir a um show de stand up tradicional, se surpreende nos primeiros minutos do “Pokas”. O novo especial apresentado por Thiago Ventura estreou dia 2 de julho, na Netflix, trazendo um conteúdo inédito para a comédia nacional: a vida na “quebrada”. Em pouco tempo, conquistou um grande público. Por três dias, “Pokas” ficou em 1° lugar no Top 10 da plataforma no Brasil, vencendo a série “Dark”.

Nascido e criado em Taboão da Serra (SP), Ventura compartilha histórias da infância na periferia e traz lições de vida de forma descontraída. O cenário, a linguagem e as performances vão de passos de dança do Michael Jackson até imitações dos amigos. São atrativos para que o público se sinta próximo da narrativa e, claro, dê muita risada. Ele começou a carreira em 2010 e já produziu outros dois especiais solo, “Isso é Tudo Que Eu Tenho” e “Só Agradece”, disponíveis no YouTube. Ele se tornou um dos principais nomes do humor no país e apresenta seu show ao mundo. Em entrevista ao Correio do Povo, Thiago conta detalhes do “Pokas”, desafios de fazer piada com assuntos polêmicos e compartilha ideias para os próximos projetos. 

Correio do Povo – Foi preciso mudar algo na criação do roteiro do “Pokas”, sabendo que o especial seria gravado para a Netflix?
Thiago − A Netflix comprar o “Pokas” é uma realização, porque é uma grande janela para expor para o mundo. Mas a criação do roteiro baseia-se no que eu sempre quis dizer e pensava através do meu criativo, não na plataforma em si.

Correio do Povo − Tornar o público mais íntimo da “quebrada” faz com que as pessoas percam um pouco do preconceito?
Thiago − O preconceito já é bem enraizado. Temos vícios que repetimos sem perceber, que nos fazem ter medo. A brincadeira “polícia e ladrão”, por exemplo. Se ela não existisse, eu não ia saber que criança precisava correr da polícia. Não precisa de motivo para que você seja alvo, então, só o fato de existir “da ponte para lá”, já tem essa pressão. Mas eu faço comédia com o intuito de fazer a quebrada ter uma referência para "rir junto" e não "rir de". Eu não quero ser mais um comediante que dê risada da quebrada, eu quero rir com ela, acho que é isso que faz diferença.

Correio do Povo − “Não depende do tema, depende do comediante”. Qual o significado da frase no show?
Thiago − O conhecimento da comédia se aproxima muito do conhecimento da mágica, porque o mágico esconde o coelho na cartola e você só descobre no final. O comediante também tem que dar um jeito de quebrar a expectativa das pessoas, porque isso é um gatilho cômico. Quando se entende que se usa os gatilhos cômicos independentemente do tema, entende que há possibilidade de fazer piada com tudo, sim, porque é o gatilho que faz dar risada. Essa possibilidade não deve questionada por quem trabalha com isso. Se você questiona, é porque não estudou comédia o suficiente. A dúvida e o que gera a discussão é: a sua piada é boa? Isso realmente é uma piada? Porque só tem como ter certeza depois que a plateia aprova.

Correio do Povo - Você recebe críticas por fazer piada com temas delicados como estupro e pedofilia?
Thiago − Uma garota falou assim: “Assisti ao ‘Pokas’ e vi que o Thiago Ventura fez uma piada de estupro logo no começo. É impressionante como as pessoas acham que dá para fazer piada com isso.” Quando foi questionada se viu o show todo, ela disse que não. A gente vive e aprende com aquilo que se repete. Se você sempre viu as pessoas tocando no assunto e sendo ignorantes e inconvenientes, não espera que algum comediante vai fazer dar risada com isso e cancela antes do resultado. E esse “antes do resultado” limita a minha arte. É o que eu falei no final do show: “não vai ser a melhor comédia, porque eu não sou o melhor comediante do mundo, mas vai ser uma comédia única para muita gente”. Eu demorei 10 anos para conseguir fazer uma comédia que eu olhasse e falasse “tá pronto e leve para todo mundo” e quero falar qualquer coisa provando que, se você é um bom comediante, consegue tocar no assunto. E quando eu consigo fazer um bom especial, eu estou falando sobre a classe da comédia stand up e sobre a minha geração, isso merece um pouco de respeito, tá ligado? E quando a gente fica em primeiro no Top 10, significa que eu estou falando “e aí, gente, agora tem como dar chance para todo mundo ser ouvido?” Acho que essa é a representatividade.

Correio do Povo − Qual foi o seu sentimento ao perceber que o “Pokas” conquistou o primeiro lugar no Top 10?
Thiago − Sabe quando chega na final de um campeonato, o jogo está dois a dois, você é o goleiro, aí o cara chuta a bola e você, no último lance, defende essa bola e vê todo mundo feliz por sua causa? Foi assim que eu me senti nesses dias. Um goleiro que defendeu um grande pênalti e ajudou a equipe a vencer.

Correio do Povo − Entre os pontos abordados no show, qual você considera mais importante?
Thiago − “Seus princípios” é o mais importante. Por exemplo, eu tenho amigos que falam “não convivo com pessoas que gritam”, então, é um princípio. E eu não vejo eles estressados ou convivendo em um ambiente onde eles não se permitam. Não é só porque você nasceu no caos, que precisa se manter nele. Ninguém ensina isso para a “quebrada”. Quando define quem você é, você atrai mais pessoas parecidas com os seus princípios. Entender quem você precisa do seu lado, para depois ser quem você quiser. Os cinco pontos que definem o “Pokas” são essenciais, mas se você define seus princípios primeiro que tudo, acho que já está no bom caminho.

Correio do Povo − Qual foi o momento mais difícil no “Pokas”?
Thiago − O momento em que eu preciso repetir que o Michael Jackson é pedófilo. Porque eu estou assinando para o mundo uma opinião e isso é uma doideira. Só que eu já tinha certeza que a piada ia ser satisfatória e não há uma crítica sobre isso até agora. 

Correio do Povo − A história da “quebrada” pode render outro especial?
Thiago − Vai render para sempre. As pessoas falam “Thiago, você não mora mais na quebrada, como sabe tanta coisa de lá?” Uma coisa é não morar mais lá, outra coisa é sair e levar todo mundo junto. Acho que dá para fazer vários especiais e inclusive, já tenho ideias para os próximos. Primeiro, vou falar sobre a minha vida de hoje e como eu cheguei até aqui, sobre estar solteiro e o que eu aprendi me relacionando com pessoas, ou seja, vou falar de sexualidade e comportamento. O próximo, sobre maconha e religião. O outro, sobre violência. E nesse último vou pegar um pouco mais pesado e acho que preciso de mais uns dois anos de comédia para conseguir fazer. Preciso amadurecer um pouco mais.

Correio do Povo − Sendo um dos nomes mais talentosos do humor nacional, o que você diria ao Thiago do início da carreira?
Thiago − Eu falaria assim: “Thiagão, daqui a dez anos vai estrear uma série chamada "Dark". Meu irmão, vai só se falar que essa série foi a que teve o melhor final nos últimos 20 anos. Você vai fazer um especial que vai ficar três dias seguidos na frente dessa série. Confia no seu trampo e vai para cima!” E essa é a importância: a gente liderou. No nosso país teve um moleque de “quebrada” fazendo comédia e quebrou a série que todo mundo estava assistindo. Você pode me amar ou me odiar, mas hoje, tem que me engolir. Não tem o que fazer.

*Supervisão: Luiz Gonzaga Lopes


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895