Preocupação com o futuro do IPE

Preocupação com o futuro do IPE

Há uma realidade na qual muitos médicos estão optando pela desvinculação do convênio.

Marcos Rovinski

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Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) em 1975 e atual presidente do Sindicato Médico do RS (Simers), Marcos Rovinski está com insônias recorrentes. Atuante em consultório próprio e nos hospitais Ernesto Dornelles e Mãe de Deus, ambos da Capital, Rovinski se diz preocupado com a atual crise no IPE Saúde, que não iniciou agora, mas que está provocando frustração em muitos de seus colegas e consequente descredenciamento do convênio público.

Nesta entrevista, ele relata seus sentimentos sobre a situação e diz ainda ser favorável às novas possibilidades tecnológicas no âmbito da medicina, mas sem esquecer o lado humano da relação médico-paciente.

por Felipe Faleiro.

O que está havendo com o IPE Saúde e que é objeto de preocupação por parte do Simers?

Há uma realidade na qual muitos médicos estão optando pela desvinculação do convênio. Cirurgiões, que têm a responsabilidade da vida de uma pessoa, recebem R$ 160, e o cirurgião auxiliar recebe 30% deste valor, ou seja, R$ 48. É um montante que não paga nem uma entrada de cinema com saco de pipocas, ou o estacionamento do hospital, se ele ficar três ou quatro horas. Fizemos várias reuniões com presidentes do IPE Saúde e sempre fomos muito bem atendidos e recepcionados. No entanto, nenhum considerou as propostas que levamos para o reajuste da tabela de vencimentos, que há 12 anos, ou seja, desde 2011, é igual. Chegou agora um momento limite, em que os médicos não estão aceitando mais esta remuneração. O movimento culminou em assembleia na qual as três entidades, Simers, Cremers e Amrigs, estiveram juntas. Nela, um dos pleitos é a participação das três no Conselho de Administração do IPE Saúde, com sugestões para que enfim possamos ter voz ativa. Outra é que possamos criar comitês de especialidades para que se possa ajudar o IPE com medidas para economizar recursos do próprio órgão e, por fim, a implementação de uma Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). Em parte, em 2011, ela foi aceita pelo IPE Saúde, mas com valores absolutamente defasados.

O Simers afirma que o IPE Saúde tem um passivo de R$ 250 milhões. O que levou a esta dívida na sua visão?

O sistema de financiamento do IPE tem que ser reestudado. A conta não fecha, se você considerar o tipo de financiamento, o desconto de 3,1% sobre o salário – e em geral dos menores salários do Estado, já que grande parte dos funcionários que usam, ou seja, os que têm maior sinistralidade, são idosos. De alguma forma, (a solução seria) ou um aumento de recursos do Tesouro, porque acredito que o governo estuda a possibilidade de um reestudo sobre a alíquota de contribuição dos funcionários sobre o custo adicional por dependente, ou necessidade de aumento dos recursos financeiros a partir de outras formas, como loteria estadual, enfim. O Estado vai ter que achar um aumento de recursos para o IPE. A partir de 2018, as pessoas não ficaram mais obrigadas a descontar o IPE, então os maiores salários abandonaram. 

A partir das decisões da assembleia, o que pode acontecer à população?

Já há alguns descredenciamentos de médicos, e outros estão previstos. Confesso que esta questão me tira o sono. Fui médico credenciado do IPE, sou funcionário público aposentado, ou seja, tenho o IPE de convênio, e me preocupa esta precarização do atendimento que vai acontecer e impactar não apenas 1 milhão de pessoas que dependem destes atendimentos, mas a população inteira, já que estes pacientes vão procurar o Sistema Único de Saúde (SUS), que já sofre também. Há vários hospitais com restrição de atendimento a pacientes do IPE. Já os que não estão, como o Ernesto Dornelles, que é porta aberta para o IPE, está operando com déficit de, pelo menos, 5%. Estão pagando para atender. O Instituto de Cardiologia tem os mesmos problemas. Eles trabalham com alta complexidade na área cardiológica e não estão conseguindo comprar insumos, como válvulas, stents, marca-passos, porque nenhum fornecedor quer vender ao IPE pela tabela do IPE. Eles não conseguem mais manter o atendimento cardiológico a esses pacientes e estão trabalhando com déficit. O fundo que eles têm estava bancando, mas não tem mais recurso.

Qual percentual de reposição seria justo, na opinião do sindicato?

O balizador de todos os convênios sérios no país é o CBHPM e certamente dará mais do que 100%, porque a inflação em termos de medicina é muito maior do que a norma, porque se agrega tecnologia. Um exemplo: nos últimos anos começou em Porto Alegre a cirurgia robótica, o que significa que muitos pacientes vão ser operados por ela, e isto é um custo enorme de tecnologia muito cara, mais o treinamento dos profissionais. Este equipamento foi agregado ao custo da saúde e tem que ser pago de alguma maneira.

Porto Alegre vive um paradoxo. Ao mesmo tempo em que é um hub de inovação na saúde, também há problemas significativos. Falta investimento?

Estou convicto disso. Grande parte deste atendimento é pelo SUS. Há um financiamento absolutamente irreal do SUS feito pelo governo federal e repassado aos Estados. É muito menos do que deveria e que não tem reajuste há muitos anos. Há uma tentativa nos demais sindicatos do Brasil de sensibilizar os gestores para que aumentem o aporte de recursos à saúde. Existem algumas distorções também nas formas de gestão da área, como em Canoas, que é um exemplo de má gestão. E a falta de investimento faz com que haja essa precarização. O ramo da saúde em Porto Alegre é exemplar. No entanto, fechamos ao menos sete hospitais nos últimos anos. Portanto, o paradoxo se explica pela falta de investimento. Nenhum médico recebeu remuneração adicional. A insalubridade de 40% não foi paga. Pelo contrário, férias foram retiradas dos médicos por conta da pandemia. Muitos perderam a vida, a saúde, familiares porque trouxeram para dentro a doença. Por que o hub da saúde funciona bem em Porto Alegre? Porque existem hospitais que conseguem fazer das tripas coração e porque médicos são dedicados ao trabalho. 

E este caso do Instituto de Cardiologia, em que falta recursos para o básico, mas reformas estão sendo realizadas?

Eles estão ampliando com financiamento do BNDES, subsidiado. Para isso têm recursos, mas para o dia a dia não. Fizemos uma reunião no Instituto de Cardiologia e lá é um exemplo de que trabalhando mais aumenta o déficit, porque eles atendem SUS. O SUS não sustenta para atender. Na verdade, eles hoje estão duplicando seu tamanho, mas se não houver modificação no sistema de financiamento é capaz de aumentar o trabalho e aumentar o déficit.

Cada vez mais as tecnologias estão presentes na área médica, com inteligência artificial, métodos e máquinas revolucionários. Para onde está caminhando a medicina?

Na questão de inovação, evidentemente, temos a possibilidade quase ilimitada de aproveitamento da inteligência artificial e novas tecnologias. Isto vai dar um salto grande no desenvolvimento dos atendimentos. Porém, isto tem custo. Se houver financiamento adequado, certamente quem vai se beneficiar é a população, porque os médicos e hospitais vão poder utilizar isto em benefícios dos pacientes por toda essa inovação. Mas temos que ver o que está acontecendo em termos de escola de medicina, a formação médica. Porque tem uma coisa que a tecnologia não consegue fazer. É tirar a relação médico-paciente do centro do tratamento, que é fundamental. A formação médica é importante e cuidar das relações de trabalho, porque estamos hoje as precarizando com a possibilidade de terceirização da atividade-fim. Hoje temos uma empresa que presta serviço a um órgão público, que contrata médicos de outra empresa, que contrata outra empresa por pessoa jurídica, sem nenhuma estabilidade, nenhuma relação trabalhista adequada. Então, é muito importante esta inovação, mas não podemos perder de vista a formação do médico, a qualidade da formação, porque hoje estamos criando escolas de medicina muitas vezes sem condição nenhuma de formar bem.


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