Novo caminho

Novo caminho

Tudo recomeça, porque o homem nunca está pronto, preparado, sempre estará faltando algo, já que somos e sempre seremos incompletos

Paulo Mendes

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Vai se iniciar um novo ano, um novo caminho, uma nova estrada. Ou, se quiserem, uma nova tropeada pelo mesmo caminho. Sim, tudo recomeça, como sempre, porque o homem nunca está pronto, preparado, sempre estará faltando algo, já que somos e sempre seremos incompletos. E justamente por estar faltando algo, por sermos imperfeitos e inacabados, seguimos nos moldando ao tempo e à vida, que vai passando, passando, passando... Nessa imperfeição, vamos refazendo a vida às avessas, às vezes de borco, rumo ao interior da terra, por outras, de barriga para cima, olhando as nuvens que se movem desenhando destinos, bichos, também imperfeitos. “E os campeiros cantam nas toadas mágoas e penas.” É verdade, amigo Aureliano, os que ficaram pelos caminhos carregavam um amor efêmero e transitório, como a vida. E pelos lados das coisas, elas mesmas insinuam que se ausentaram, que tinham corações e almas mais duros que a pedra moura, que a coronilha. Será que ainda se dão conta de nossas angústias nessas noites de estio? 

Desembuche, senhor Ano-Novo! Que queres o senhor de nós, os campesinos? Vieste cobrar contas que não fizemos, dívidas pertencentes a outras gerações? Peça a eles, os que se foram para os lados do Nunca Mais. Deixem-nos em paz, pois temos tantas tarefas a serem realizadas. Precisamos repor as águas que corriam límpidas lá por detrás daqueles cerros, o senhor está vendo? Temos que reflorestar, trazer de volta os açoita-cavalos que cortamos dos beirais das sangas, os umbus, as caneleiras, as guajuviras, os cedros e as pitangueiras que botamos abaixo para nos fartar vendo os trigais e as imensas lavouras de soja tomarem conta do Planalto, da Serra e do Pampa. Credo, o velho Pampa de antanho, que se deitava verdoengo e espichado sobre os costilhares do Uruguai, se dobrou à força e ao ferro de nosso maquinário. Parou-se de joelhos e, hoje, pede clemência. 

A cada ano que chega, penso que poderíamos ser menos gananciosos, ter mais bom senso. Misturar as culturas, diversificar a produção, pensar um pouco mais no meio ambiente, derrubar menos mato, deixar a mata nativa no seu nativo lugar, manter riachos, preservar as nascentes, usar menos venenos. Produzir e ser autossustentável. Estou sendo utópico? Sou o chamado soldadinho do passo certo? Pode ser, mas sonho que um dia esse povo trabalhador e empreendedor do meu Rio Grande trabalhe com essa consciência, com esse compromisso. Eu acredito e nunca desisto. Os povos erram e acertam, voltam a errar, acertam de novo, e chega o dia em que enveredam pela trilha correta sem se desviar mais da rota. 

Seguiremos. Sempre que começa um novo tempo a esperança volta a germinar no coração dos que querem o bem. Neste limiar, pedirei, outra vez, paz a todas as pessoas aqui na Terra, independente da raça, da cor da pele, da condição social ou intelectual; o fim das guerras; o avanço da ciência; o fim da fome; mais igualdade; mais justiça e solidariedade. Mais amor e menos ódio. Sempre dizem, amigo, você está tendo alucinações, o mundo foi e sempre será assim. Não aceito e não me conformo. Vamos juntos tentar mudar, nem que seja um naco, um pedaço. O pouco, às vezes, se transforma. Porque o fio de vertente sempre vai terminar no mar...


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