Súplica da Terra

Súplica da Terra

“Não deixem morrer meu rio, me ajudem, por favor, o biguá que mergulhava já morreu, aguapé não dá mais flor...” (Súplica do rio, Paulinho Pires)

Paulo Mendes

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Um cronista que se preze deve opinar sobre os principais acontecimentos que o rodeiam sob o risco de se perder na neblina do tempo, cair no ostracismo implacável, na falta de credibilidade e, por fim, no esquecimento. Vendo as terríveis imagens de animais nativos mortos pelo fogo na região do Centro-Oeste do Brasil, das continuadas queimadas na Amazônia e de atentados diários contra o meio ambiente aqui no Estado e em todas as partes do país, preciso me pronunciar. Nossa irresponsabilidade com a Terra já passou dos limites há muito tempo, estamos cometendo repetidos crimes em relação à natureza e um dia esta conta vai chegar. Aliás, em muitos casos já chegou e os “boletos” continuam a bater em nossas portas todos os dias.

Reconheço que o desenvolvimento de uma nação passa por decisões governamentais que incluem, muitas vezes, agressões ao meio ambiente. Porém, isso precisa ser mitigado imediatamente, já vir acoplado aos projetos de reflorestamento, de desassoreamento dos mananciais hídricos, à rotação de culturas e às boas práticas tanto na agricultura como na pecuária. Nosso Rio Grande sempre deu exemplo e foi pioneiro em soluções sustentáveis em diversos campos da produção, da cultura e do progresso, mas de uns tempos para cá parece que abandonou sua história e aderiu sem constrangimento à devastação desenfreada, à monocultura e à luta essencialmente financeira. Assim, não olha para os animais silvestres que desaparecem ou que fogem desesperados para espaços cada vez mais escassos e reduzidos. Temos que ouvir a súplica da Terra. 

Em diversas regiões do Estado há muitos anos só enxergamos a mesma paisagem de lavouras de soja, nem cercas existem mais, não se enxerga um pé de árvore, um capão de mato, tudo foi devastado. Os córregos, as sangas, os pequenos açudes, tudo foi aterrado para se obter uma nesga a mais de espaço para o plantio da oleaginosa que, como commoditie, rende bons dividendos, mas depaupera a terra. Que tipo de mundo estamos deixando para nossos filhos, nossos netos e todas as gerações vindouras? Que geração é esta que está terminando com o bioma Pampa, com os riachos, que acabou com a Mata Atlântida, que botou no chão as centenárias araucárias do Nordeste gaúcho e está revolvendo até os solos arenosos do Litoral? Será que já paramos para perguntar o que queremos?

Uma angústia lancinante vem cutucar este meu coração interiorano que não para de bater e amar esta terra tão fértil e que já dá sinais de cansaço. Os rios e as sangas pedem socorro, o aguapé não dá mais flor e o biguá já morreu, como alertava a canção do compositor Paulinho Pires. Eu convido todos vocês para que me ajudem nesta árdua empreitada de salvar os quero-queros que esvoaçam desesperados em busca de um campo para procriar. De salvar os bugios, tatus, lambaris, preás e lebres. Quem plantará uma árvore amanhã, uma só? Meus amigos e minhas amigas, ainda dá tempo, é só a gente querer, tenho certeza disso. A natureza se recupera em pouco tempo, basta darmos a ela uma chance. Na verdade não é para ela, é para nós mesmos. 


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