Meu pequeno mundo
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Veja, velho rincão da minha infância, olhe pra mim, mira os meus cabelos brancos, as minhas mãos enrugadas, as minhas pernas falquejadas, a minha barriga crescida. Olhe bem, veja o que a vida faz com um homem. Te maltrataram? Pois comigo não foi diferente, de certa forma somos iguais, éramos uma coisa e hoje somos outra. Sabe, meu rincão, eu passei por tanto sufoco nesses anos que me afastei de ti, aprendi muito, mas de nada adiantou, entendes? Fiz tantos amigos buenos, meu rincão como tu, assim, amigos pra toda hora, desses de tirar a camisa e dar pra gente, entendes? Pois é, mas vários deles eu nunca disse que os admirava tanto e eles se foram, uns morreram, outras viajaram, alguns se perderam. E esqueci de dizer a eles isso que estou dizendo a ti agora. Por que a gente é assim, que bicho nos impede todos os dias de conversar, de contar nossos medos, nossas dificuldades? Ah, velho rincão onde me criei, se tu soubesses das tristezas que enxerguei por aí. E agora, te olho, estás como eu, depauperado, triste, porque fizeram isso contigo?
Já me vou embora, meu chão colorado. Eu ainda guardo teu cheiro, sabia, não esse de agora, de tanta soja plantada e de tanto diesel. Não. Guardo o cheiro das maçanilhas floridas em setembro, das pitangas maduras lá embaixo, na sanga. Cadê elas? Eu também estou perdido, eu também fiquei sem identidade, embora, querido solo, a cada vez que falo em ti eu me renovo, adio por algum tempo a minha morte.
Será que cada um de nós precisa um do outro? Façamos um trato: eu escrevo sobre ti e tu não me abandonas, nunca, jamais.
Isso, estou te sentindo, estás falando comigo, assim, me abrace. Eu também te abraço. Sim, nunca vou te esquecer, te juro por tudo o quanto é sagrado. Vou camperear contigo, pequeno mundo, porque sei que és meu e de uma imensidão de gaúchos que passam e te olham indiferentes.
Eles não sabem que tu nunca morrerás. Viverás na memória. Na literatura. Por aí, pelas "campereadas"...
Foto: Paulo Mendes