De silêncios e de saudades
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Desmonto. A arte da escrita é isso, contar pelo indizível, enveredar pelos silêncios da alma, recriar o bem dito, expor os entremeios, arrancar as pétalas da vida, aquela que reluz mesmo sem ser ouro. Lá onde mora a minha saudade eu consto na paisagem esverdeada, um costilhar de sombra e de encantamento juvenil. Onde pesquei lambaris, onde soltei pandorgas, onde joguei bolitas, onde colhi pitangas maduras, onde nadei no açude e na sanga, onde degustei ambrosia, onde assei churrasco no fogo de chão, onde tudo vive nas reentrâncias da minha memória afetiva. Por mais que o tempo passe lá estou, mateando, juntando gravetos, repontando vacas de leite, cortando nacos de fumo em corda atrás do balcão num final de dia, no lusco-fusco das tardes. Ainda estão lá o cheiro dos meus trapos rasgados, minhas camisas puídas, o meu chapéu preto furado e amassado, minhas alpargatas barbudas e meus sonhos despedaçados.
Vim embora e choveu palavra na minha vivência. Peguei ideias com as mãos como se pescasse traíras prateadas. Me encontrei na literatura regional, inventando, compondo, recordando, me ajudando e ajudando outros que como eu têm a terra no sangue. Por isso o grito dos quero-queros me recita, por isso eu alongo os rios e caço manhãs de primaveras, mas às vezes, velhacas, elas fogem como novilhas ariscas. Eu recrio o que outros criaram com novas pilchas. Por outras, uso roupas antigas, em desuso, que parecem novas. Minha escrita é assim, uma cordeona que se abre em silêncio, páginas e páginas de ausências, dores de amigos perdidos, mas é também tábua de salvação, galpão de paredes de taquara e barro, coberto de capim onde desencilho no fim do dia assobiando chamamés e milongas. Minha literatura é simples e humilde, eivada de versos em prosa que vertem da alma, conversa que vêm dos socavões da história e do esquecimento.
Conto. Canto e escrevo para que isso não se perca. Para que falem os que nunca tiveram voz. Sou a querência, os corredores sem fim, a peonada e os que vagam ao léu, sem rancho, os que campeiam horizontes. Então, abatido, condoído, em transe, tomo um trago e me transformo num tropeiro antigo que cavalga a madrugada dos galos. Um homem velho e triste, quase um fantasma , chorando sua solidão, castigado por um açoite que lhe abre as antigas cicatrizes, por dentro...