Das singelezas
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Almoçávamos debaixo dos cinamomos, na frente da casa, na beira da estrada real. Comida simples, arroz, feijão, mandioca, de vez em quando carne de galinha ou gado. Aos domingos, a mãe fazia um assado de porco no forno, acompanhado de salada de maionese e tomávamos guaraná, cuja garrafa deixávamos refrescando dentro do poço, atado num saco de estopa pelo velho laço de doze braças que o finado Lara, o gaiteiro, deixou-nos de herança quando morreu. Escutava música à noite num rádio Phillipps, de quatro pilhas. Dele saíam chamamés, milongas e tangos argentinos que me inebriavam. Naquelas noites quentes e estreladas de janeiro ficava remexendo no dial de ondas curtas achando emissoras "hermanas". Quando seu Lara foi morar no "galpãozinho", como o chamávamos, me encantei com os divinos acordes de sua mágica gaitinha de 8 baixos.
Éramos pobretões, mas penso que fomos felizes. Pela manhã ia no colégio, à tarde, carroceava os "ranchos" do bolicho até a casa dos clientes que tinham "caderneta". De noite, atendia no balcão. O pai dizia que um homem precisava apenas ser trabalhador e honesto, se possível, estudar, "para não sofrer tanto". Ele me ensinou que a gente leva uma vida inteira para ser chamado de honesto "e apenas um segundo para virar ladrão para sempre". Por isso, não nos deixava, eu e meu irmão, chegar em casa com brinquedo emprestado ou coisas achadas na estrada. "Coloquem onde estava, o dono virá buscar". E completava: "De tanto achar coisas, o sujeito começa a pegar o que não está perdido". Aquilo me chateava, mas o tempo revelou que ele tinha razão.
No final do ano tinha churrasco. O pai sempre comprava um chibo numa fazenda vizinha. Escolhia o mais viçoso, laçava e maneava com uma habilidade impressionante. No Natal, o cuera, que não bebia, tomava um copo de vinho tinto. Faceiro, fazia umas trovas engraçadas de improviso. Eu e o mano ficávamos sentados ao seu lado e depois dormíamos cada um com a cabeça numa de suas pernas, sobre a bombacha encardida, com cheiro de fumo em rolo. No outro dia a vida seguia. Igual, doce e singela, pura como a água que escorria nas sangas da Vila Rica.