Um causo de amor campeiro

Um causo de amor campeiro

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Valentim e Ruana

Foi num mês de junho, frio e chuvoso, que Valentim buscou Ruana no povoado para morar no seu rancho. Na época, era uma casinha simples, feita com sobras de madeira e coberta por folhas enferrujadas de zinco. Fora erguida numa antiga tapera, naquele mesmo ano, com material doado pelo patrão, quando este soube que pretendia buscar a moça na cidade.  Por isso, sempre que vinha mais um inverno, Ruana lembrava daqueles primeiros anos que passaram juntos, das geadas de branquear os campos, das noites silenciosas de frio, das garoas com vento. Mas se mantiveram impávidos, fiéis ao juramento de ficarem juntos para sempre.

Agora, passados tantos anos, Ruana recorda como limpou e arrumou com mãos de fada aquela linda morada, que, embora humilde, exalava carinho, paixão e amor. Dava para sentir o perfume das flores nas janelas, havia canteiros debaixo das laranjeiras e, pela manhã e à tardinha, quem passasse na frente, via um fio de fumaça que subia para o céu, da pequena chaminé com um galo de lata na ponta. Podia-se sentir o cheiro do café passado, do feijão cozinhando sobre a chapa quente e dos temperos que Ruana cultivava na horta perto da sanga.  Aqueles primeiros meses, isso Valentim tinha certeza, foram os melhores que passara na vida. A prenda esperava-lhe aos finais das tardes com o mate jujado de maçanilha, proseavam ao lado do fogão e se amavam todas as noites. Depois, a barriga de Ruana começou a crescer, crescer, até eclodir numa semente em forma de criança. Foi o primeiro filho deles.

Quando o guri nasceu, no final do verão, o rancho já tinha galpão, uma mangueira de pedra e uma lavoura. Três anos depois, nasceu a filha, quando Valentin fora designado pelo patrão para capatazear as lavouras. O domador trocou os cavalos e o laço pelo trator e as plantadeiras. "Os tempos mudaram", dissera-lhe o doutor. Assim, o tempo foi passando e chegou o dia que tiveram de abandonar o ranchinho. As crianças precisavam estudar. Foram morar perto da casa grande, ao lado da estrada real, onde passava a condução que levava a gurizada para o colégio.  Mas a morada seguiu de pé, sendo usada por outros empregados. Todos gostavam, era um lugar de boas energias, que dava paz ao coração.

Agora, mateando em frente a um outro rancho, na pequena cidadezinha,  o campeiro casal está novamente solito.  Os filhos cresceram, se foram,  e eles, já velhos, não podem mais trabalhar. Ou muito pouco. Valentim, aposentado, ainda faz pequenos biscates, limpa pátios. corta grama e faz reparos. Ruana lava roupa, faz remendos e costuras. E seguem juntos, unidos pela vida inteira, um sendo o esteio do outro, numa ajuda mútua. Por coincidência, neste final de semana Valentim sonhou com um longínquo sábado de janeiro em que encilhou um baio oveiro, vestiu sua melhor pilcha e seguiu para o povoado para ver a prenda que amava. Também Ruana sonhou com um moço garboso, que naquela noite a deixou feliz, satisfeita e  apaziguada.  Acordaram juntos, como para celebrar aquele tempo nunca esquecido. Olharam-se, sorriram e se procuraram. Quando o sol nasceu, encontrou os dois corpos abraçados. Como sempre.

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