O pequeno leiteiro
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Precisava ajudar a mãe, coitada, que acordava tão cedo e só parava de lidar com a noite alta. E trabalhava sempre alegre, nunca reclamava de nada. Depois do leite nos tarros, atrelava o Tostado na charrete e nos mandávamos para a cidade, acompanhados pelo Cacique, meu cusquinho baio. Nos trilhos, parávamos na casa do velho Clide, onde deixava dois litros. Mais a frente, no comércio do Constante, mais três. E assim por diante. A dona Eulália já me esperava na porta da casa, com um casacão de tricô por sobre a camisola branca. Gostava de leite gordo para fazer rapadurinhas. Nas sextas-feiras, pedia alguns litros a mais, quando as filhas, que estudavam na Capital, vinham passar o final de semana. Depois de feita a entrega, voltávamos faceiros para casa. Dos litros extras que vendia, a mãe me dava a metade. Assim, juntava uns trocados e, no final do mês, comprava um Kichute, ou uma Conga, ou um Bamba, figurinhas, bola, anzóis ou um time completo de futebol de botão.
De uma feita, quando voltávamos, fomos interceptados pelo bando do Ramirez . Os bandidos já estavam levando o cavalo, bebendo o leite que sobrara e, quando se preparavam para me dar uma sova e pegar os pilas, chegou o chefe. Ao me ver, ordenou: "Não toquem no guri, ele levava leite de graça todos os dias para minha velha mãe, este é meu protegido." Assim, me devolveram o Tostado, nem tocaram no dinheiro atirado no chão. Cheguei em casa tremendo de medo, mas ileso. Depois a vida seguiu, precisei estudar de manhã e findou minha vida de leiteiro. "Sem estudo o homem não é nada", disse o pai, que nas horas vagas começou fazer umas tropeadas para compensar a falta do dinheiro do tambo. Hoje, olho para minhas mãos, os dedos com juntas grossas de tanto tirar leite de vaca. São os mesmo dedos que batem as teclas do computador e ajudam a escrever essas histórias. E, olhando no espelho, vejo com saudade a cara risonha daquele guri leiteiro que ainda vive em mim.