O domador Verano apeia no Uruguai

O domador Verano apeia no Uruguai

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Lá vai um índio na estrada

procurando seu destino

Até parece um teatino

por esse mundo perdido

Porém é bem conhecido

É ele, não é engano,

Olha pro jeito, paisano

Mais triste que uma tapera,

buscando sua primavera

embora seja um Verano...

 

As estações de Verano

Agora o outono se mostrava claro e por inteiro, despido. Dias atrás, pela tardinha,  sentira o vento como uma lâmina gelada a fustigar-lhe a face. Observara o emaranhado de folhas e tufos de lãs voando em caracóis na estrada de chão batido que batera casco horas a fio. À noite, em Três Puentes, dormindo sob as estrelas, cobrira-se com o pala e o poncho e, de uma feita, precisou até avivar as brasas, tamanho o frio que fazia por aquelas bandas uruguaias. Noutra manhã, enxergara nuvens negras no horizonte e testemunhou o aguaceiro desabar torrencial, forçando a aba do chapéu, encharcando o pelo dos cavalos.  Sentira compaixão do gado encolhido debaixo dos sarandis. Semana e pico de estrada, andando sem parar, só trocando de cavalo, dia sim, dia não. O tostado vinha mancando, pisara em algum espinho ou uma pedra de ponta. Examinara o casco e a pequena ferida. Passou creolina, bateu a ferradura, enrolou com uma estopa, mas não tinham saída, era seguir em frente. Sempre.

Foi na manhã seguinte a da chuva, que escreveu esses versos no único papel seco que encontrou, nas costas da folha da carta que dona Serena havia lhe mandando, anos atrás:  "A chuva que cai no campo/ Alaga a várzea campeira/ E mesmo que eu não queira/ Bate a tristeza mesquinha/ Todos os sonhos que tinha/ Se vão, assim água abaixo/ Pois o mundo está molhado/ Até ver o Pampa dá pena/ E, pensando ti, minha prenda/ Meus olhos vão alagados... "

Quando cruzou a tapera El Rincón, sentiu de fato que estava chegando. Mais lá para perto do rio, havia nascido há pouco mais de 50 anos. Depois, quando tinha 4, 5 anos,  a mãe decidira ir para o Rio Grande, junto com uma companhia de saltimbancos brasileiros que estavam em excursão. Era pequeno, mas lembra disso. A mãe se encantara por um dos artistas, um recitador de versos.  Dona Serena, apesar do nome, era agitada. Queria conhecer o mundo. Como sentia saudades dela, daqueles longos cabelos de índia guarani, sempre sorridente, hablando portunhol, falando da infância pobre em Vichadero. Mais tarde, já em solo verde amarelo, foi ela que o levara ao primeiro dia de escola, em São João. A mãe, como a professora dona Lina, gostava de poesia. "É um prodígio, um achado, adoro ele", dissera dona Lina para a mãe, o que o deixou tão orgulhoso, na época.  Depois que a mãe morreu, ficara sozinho no mundo e começou a sentir muito frio.  Comprou o poncho de baeta colorada no armarinho do seu Antunes, na Vila Rica.

Nesta madrugada acordara cedo, ouvindo o cantar de galos ao longe. Vê o povoado, os postes de luzes esmaecidas e ouve latidos. Está estropiado, mas mesmo assim ri para o novo dia. Nesse momento a esperança retorna ao coração. É outono, depois virá o inverno, mas a vida também pode ser primavera para quem se chama Verano...

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