Frida

Frida

Frida Kahlo é uma artista completa que ajuda a entender o mundo e a nós mesmos. A mistura do presente e do passado.

Paulo Mendes

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Vez por outra, os jornalistas têm o direito que todos os trabalhadores brasileiros obtiveram de tirar alguns dias de descanso após um ano de intensa labuta. Aquilo que se convencionou chamar de férias. Pois, então, nessas minhas últimas férias decidi ir ao Rio de Janeiro para degustar seus impagáveis bolinhos de bacalhau, visitar meus irmãos cariocas, que também são jornalistas, a esposa de meu pai biológico, Donaldson Garschagen, Renata, essa parte da família que encontrei em 2007, e não terminou com a morte de Don em 2019. Deu tempo, inclusive, de levar a eles meu último livro “Campereadas – Coração de pandorga”, recém-lançado, agora editado pela Libretos, obra que dedico à memória dele, Donaldson, enciclopedista e tradutor, um intelectual autodidata conceituado aqui e no exterior. 

Por sorte ou destino, estava ocorrendo no Forte de Copacabana, no Museu Histórico do Exército, a exposição imersiva da multiartista mexicana Frida Khalo, a maior feita até agora sobre a vida e a obra de Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón (1907-1954). São 1.400 metros quadrados, 13 ambientes interativos que formam uma biografia. A experiência demora cerca de 60 a 90 minutos, na qual o visitante pode apreciar fotografias, filmes, instalações artísticas e digitais, e música. Para mim, que não entendo de pintura, a maior relevância de Frida foi sua irreverência. Em época de empoderamento feminino, esta figura é exponencial, vista em seus coloridos autorretratos e nas cores tão fortes que machucam a retina.

“Machucam” é uma forma poética de dizer impressionar. Ninguém passa incólume à dor da artista estampada em tantas obras nas quais se misturam o passado e o presente, o antigo e o moderno. Porém, meu coração e alma campeiros se impressionaram de fato foi com o Altar dos Mortos, uma tradição mexicana, uma expressão cultural na qual o povo mostra a forma como enxerga a morte, não de forma trágica, não de fim, mas de começo. No México pré-hispânico, o lugar onde a pessoa morria devia ser preservado, então não devia ser habitado. Ao morrer, começava-se uma viagem ao reino dos mortos e neste trajeto o morto fazia oferendas ao Senhor dos Mortos que, mais tarde, o enviaria a um lugar onde este ficaria por um tempo, até finalmente encontrar o descanso eterno. 

Assim, no dia do enterro, era construído um altar com objetos do falecido e elementos que poderiam ser usados na viagem. Com a chegada dos colonizadores à América, no século XVI, surge uma fusão dessa visão de morte, mas a tradição permanece. O altar muda de concepção, mas segue colorido, com alimentos que o finado gostava, e, no alto, fotografias do homenageado. É importante se estudar tradições, culturas, formas de ver o mundo, para que possamos ter uma visão ampla de nossa missão aqui na terra e ainda diminuir nossa angústia perante o fim da etapa terrena. Essas preocupações, apenas as artes são capazes de amenizar. 

Quem viu, viu, quem não viu, procure ver. Frida Kahlo é uma artista completa que ajuda a entender o mundo e a nós mesmos. A mistura do presente e do passado. O regional e o universal, porque a vida é uma só. Seja nos planaltos do México ou nas coxilhas do Rio Grande do Sul. 

 


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