Barranca

Barranca

Quando escutar um verso bonito, lembrarei do Rillo e do Jacaré. Das vozes e das melodias. Na costa do rio vou me embrenhar na saudade.

Paulo Mendes

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“Arruma, flor, minha mochila inteira/ Tô de partida
nesta quarta-feira/ Já não há mais como poder ficar/ Quando chegou-me o eco da mensagem/ Meu coração já estava de viagem/ Rumo à fronteira louco pra chegar.” (Partida, Mauro Ferreira e João Chagas Leite)

Em 1991, ano em que oficialmente fui contratado pelo Correio do Povo, participei do Festival da Barranca, em São Borja, a convite de meu amigo e colega jornalista Luiz Sérgio Metz, o Jacaré. A Barranca é uma coisa assim meio mítica. Já começa por ser um encontro apenas de homens, seguindo a tradição iniciada no inicio de 1970, como uma pescaria de amigos na Semana Santa. Eu era jovem e o festival, conhecido por ser um comício de espíritos, é uma reunião de artistas e parceiros encontrados, de músicos amigos, quatro ou cinco dias de extrema liberdade poética, de festa e confraternização. Para quem não sabe, na Sexta-feira Santa, é anunciado um tema e o pessoal precisa fazer composições em 24 horas, apresentando-as no sábado à noite. Novato e bem jovem, naquele ano, cujo tema foi cavalos, escrevi uma letra que foi musicada por uma gurizada vaqueana. Não fomos premiados, mas nos divertimos demais. 

Passados tantos anos, tive a honra de ser convidado novamente. Neste fim de semana da Páscoa, passarei dias alegres ao lado de queridos amigos, escutando música boa, ouvindo causos hilariantes e, outra vez, me divertindo. É interessante participar de um evento tanto tempo depois. Quantos integrantes, tantos barranqueiros já se foram. Agora nós, que éramos jovens, já estamos viejos também. Não sou músico, não sou artista, mas durante minha vida convivi com muitos deles, e sou grato por essa dádiva, porque compreendi como são sensíveis, entendem exatamente o que penso da vida. Sou um escrevinhador, um jornalista e, hoje, só me resta agradecer por este convívio que tanto faz bem à essa alma de guri bolicheiro, carroceiro e entregador de lenha lá na Vila Rica. 

Deixo meu abraço afetuoso ao Emilio Pedroso, um fotógrafo que plasmou em suas lentes a história da Barranca. Agradeço ao Telmo Mota, presidente do Grupo Os Angüeras e coordenador dos 50 anos da Barranca, que serão comemorados este ano. Gostaria, talvez, de escrever alguma canção que possa ser musicada e interpretada por algum campeiro de goela afiada. Seria lindo de ver. Como já não sou jovem, não tenho mais a ousadia de 1991. Mas como a ideia será confraternizar, pode ser que se ajeite e alguém se decida a apresentar. Aprendi com o tempo que o importante é a gente fazer o que gosta, todos os dias, abraçar aqueles que amamos e desfrutar todos os dias e as noites que tivemos a sorte de ganhar. 

Ah, amigos e amigas, será maravilhoso rever tanta gente macanuda, que faz da arte seu caminho e destino. Sem falar das tertúlias, das comidas campeiras, das manifestações espontâneas. Irei um e certamente voltarei outro. Disso tenho certeza. Quando escutar um verso bonito, lembrarei do Rillo e do Jacaré. Das vozes e das melodias. Na costa do rio Uruguai vou me embrenhar na saudade, vou rir e chorar, sentirei o coração corcovear nessa atávica reverência à cultura missioneira e gaúcha. Depois, retorno faceiro, porque como diz a canção, “é mais feliz aquele barranqueiro, que depois da festa tem pra quem voltar.”


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