Conheça Bruno Pereira e Dom Phillips, mortos no Vale do Javari
Indigenista e jornalista britânico foram assassinados por pescadores na região amazônica
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O indigenista Bruno Pereira deixou a cidade que concentra o Poder no país, Brasília, rumo à região amazônica, onde dedicaria seus esforços para defender a luta dos povos indígenas. Já o jornalista Dom Phillips deixou o Reino Unido para sair em defesa da Amazônia e contra grupos que ameaçam o meio ambiente em diversas regiões do país.
Pereira e Phillips foram vistos pela última vez no dia 5 de junho no Vale do Javari, no Amazonas. Eles partiram rumo à cidade de Atalaia do Norte, mas não chegaram ao destino. Ambos foram assassinados de forma cruel por pescadores.
Um dos suspeitos confessou aos policiais ter matado o indigenista e o jornalista, esquartejado seus corpos e ateado fogo neles. Até o momento, estão presos Amarildo dos Santos, mais conhecido como "Pelado", e seu irmão, Osoney da Costa, além de outro homem ainda não identificado.
Pereira era, desde 2010, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai). Nove anos depois, em 2019, foi demitido do cargo. A exoneração foi publicada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, na época comandado por Sergio Moro.
Decidiu, então, se dedicar aos indígenas na região amazônica, especialmente com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Em nota, a entidade disse que as perdas são inestimáveis, avaliou o crime como político e cobrou a completa elucidação do caso.
A mulher de Pereira, Beatriz Matos, usou as redes sociais para se pronunciar. "Agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior", afirmou.
Agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior.
— Beatriz Matos (@irekaron) June 16, 2022
Nas redes sociais, o jornalista Rubens Valente, colega de Pereira há quase 10 anos, contou que ele foi 'fiel à tradição mais nobre do indigenismo brasileiro, humanista e altruísta'. "Foi assassinado quando o governo lhe virou as costas, ou seja, traiu um de seus melhores. Ele foi abandonado à própria sorte por um Estado que tão bem representou", destacou.
conhecia Bruno há 9 anos. Ele foi fiel à tradição mais nobre do indigenismo brasileiro, humanista, altruísta. Foi assassinado quando o governo lhe virou as costas, ou seja, traiu um de seus melhores. Ele foi abandonado à própria sorte por um Estado que tão bem representou.
— Rubens Valente (@rubensvalente) June 16, 2022
Colega de Pereira, o jornalista André Borges relatou que o indigenista, durante seu trabalho na Funai, "havia sido isolado pelo governo", e, diante desse cenário, resolveu ir para a Amazônia. Ele relatou ainda episódios vivenciados com o indigenista no Vale do Javari.
"Naqueles dias, seguimos de barco para dentro da floresta, fizemos trilhas por charcos, montamos acampamentos, cozinhamos e conversamos muito. O Bruno tomava notas em um caderno, fazia marcações, liderava a expedição. Tinha o mapa do Javari em sua cabeça, conhecia cada igarapé, cada curva sinuosa do Quixito, do Ituí, do labirinto líquido que parece manter a gente sempre no mesmo lugar depois de horas de barco rio adentro", contou.
Num domingo de sol, Bruno Pereira empurrava um carrinho de bebê sobre a calçada de concreto claro que circula o Parque Olhos d’Água. Lugar nobre de Brasília, um refúgio de mata e de pássaros que restou preservado, no fim da Asa Norte. Era 2019.🧶
— André Borges (@AndreBorges_JOR) June 16, 2022
"Deixou o passeio de fins de semana no parque Olhos D’Água para lutar pelas crianças do povo matis, as mulheres canamaris, os guerreiros culinas. Bruno deixou nossos olhos n’água. Ficam a sua obstinação, seu exemplo, sua luta", completou.
Já Phillips escreveu para renomados jornais internacionais, como The Gaurdian, Washington Post, The Intercept, New York Times. Além disso, realizou trabalho voluntário no projeto Vizinho Legal, em São Paulo, entre março de 2009 a dezembro de 2010.
Segundo relato do jornalista britânico Jonathan Watts, em artigo publicado no The Guardian, Phillips tirou um ano de folga para realizar a pesquisa para o livro, que ia chamar "Como Salvar a Amazônia".
Phillips, segundo o colega, era um profissional que buscava tornar o mundo um lugar mais justo, mais responsável e mais esclarecido. O britânico era apaixonado pela música brasileira, arte e natureza.
Percorrendo as mensagens do WhatsApp, o britânico contou que o jornalista compartilhava imagens de raias, baleias, tartarugas e tubarões durante passeios de stand up paddle, além de saguis e tucanos encontrados em caminhadas pelas encostas do Rio de Janeiro.
"Nas primeiras manhãs da semana, começávamos o dia de bicicleta até o Corcovado, uma atividade de arrebentar os pulmões que ficou conhecida como Cristo de Bicicleta", relatou Watts. O britânico contou, ainda, que durante um momento difícil recebeu uma dica de Phillips: uma playlist de músicas dos Walker Brother, receita de espaguete de pasta de anchova e enxurrada de convites.
Phillips se casou com Alessandra Sampaio em Santa Tereza, clássico bairro do Rio de Janeiro, segundo o jornalista. "Irradiaram amor e inspiraram danças alegres", contou.
Após a confissão do assassinato feita por um dos suspeitos, Alessandra afirmou que o desfecho põe um fim à angustia de não saber o paradeiro e cobrou respostas definitivas dos órgãos de investigação, acusados de omissão.
"Hoje se inicia também nossa jornada em busca por justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível”, disse.
Em julho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro afirmou a Phillips que a Amazônia "é do Brasil, não de vocês". A declaração foi registrada em um vídeo publicado nas redes sociais pelo próprio chefe do Executivo nacional.
Phillips havia questionado como Bolsonaro pretendia mostrar para as demais nações como o governo brasileiro está comprometido com a redução do desmatamento na região amazônica. "Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não de vocês. A primeira resposta é essa aí, tá certo?", respondeu o presidente.
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