Batalha pelo acesso às vacinas contra a Covid-19 divide a OMC

Batalha pelo acesso às vacinas contra a Covid-19 divide a OMC

Conselho Geral discutirá suspensão das proteções de patentes das vacinas até terça-feira

AFP

Proposta de suspensão das proteções de patentes das vacinas contra a Covid-19 não é consenso na OMC

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Cada vez mais países exigem que a Organização Mundial do Comércio (OMC) suspenda as proteções de patentes das vacinas contra a Covid-19 para aumentar sua produção, um pedido criticado por laboratórios.

Esta proposta, que será debatida no Conselho Geral da instituição (nos dias 1 e 2 de março), está longe de alcançar um consenso.

A proposta

Lançada em 2 de outubro pela África do Sul e Índia, a iniciativa conta com o apoio de dezenas de países em desenvolvimento e desfavorecidos.

O texto propõe um consenso sobre uma derrogação temporária a algumas das obrigações constantes do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), para que qualquer país possa produzir vacinas sem se preocupar com patentes.

A revogação também envolveria "desenhos e modelos industriais, direitos autorais e a proteção de informações não divulgadas", e duraria até que "uma ampla vacinação seja alcançada em todo o mundo e a maioria da população mundial seja imunizada".

A favor

Os países que apoiam a iniciativa, com o apoio de ONGs como Médicos Sem Fronteiras (MSF), acreditam que isso facilitaria o acesso a produtos médicos acessíveis quando eles são necessários em todos os países desfavorecidos.

"As ferramentas e tecnologias médicas contra a covid-19 devem ser bens públicos globais, isentos das barreiras impostas pelas patentes", pergunta o Dr. Sidney Wong, codiretor da campanha de acesso a medicamentos de MSF.

A ideia foi endossada pelo diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, um gesto altamente simbólico.

Contra

Para Thomas Cueni, presidente da Federação Internacional da Indústria Farmacêutica (IFPMA), "abolir patentes ou impor uma suspensão não produziria uma única dose (da vacina) a mais. É principalmente uma questão de experiência".

Os Estados Unidos, a União Europeia e a Suíça, onde ficam as sedes de várias gigantes farmacêuticas, se opõem, assim como outros países ricos, como Noruega, Japão, Austrália e Reino Unido.

Para isso, destacam o esforço financeiro dos laboratórios no desenvolvimento de vacinas, e consideram que são eles os que melhor podem fabricar as quantidades necessárias.

Além disso, segundo eles, as atuais normas sobre propriedade intelectual preveem a possibilidade de pactuação de "licenças compulsórias", especialmente previstas para situações de emergência.

De fato, as regras da OMC incluem a entrega de uma "licença compulsória" que permite às autoridades conceder a outras empresas que não os detentores da patente a autorização para fabricar o produto, desde que certos procedimentos e condições sejam respeitados.

Os países a favor da iniciativa consideram que o processo de obtenção da licença compulsória é muito complicado e tem muitas condições, já que os pedidos devem ser tratado caso a caso.

A nova chefe da OMC, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, quer evitar uma ação judicial e pede para usar as "flexibilidades" do sistema atual, o que leva a recorrer a acordos de "licença voluntária", como fez a AstraZeneca com o Instituto Serum da Índia.

O exemplo da Aids

No final da década de 1990, os antirretrovirais transformaram os tratamentos contra o vírus da Aids: as terapias triplas começaram a salvar milhões de vidas, mas seu preço era inacessível para a maioria das pessoas soropositivas.

Até o início dos anos 2000, nenhum acordo ou compromisso foi assinado para facilitar a fabricação e distribuição de medicamentos antirretrovirais genéricos de baixo preço para os países pobres.

Em 2001, após árduas negociações, a conferência ministerial da OMC em Doha aceitou um relaxamento na proteção de patentes para grupos farmacêuticos, o que deu aos países em crise de saúde o direito de fabricar medicamentos genéricos mais baratos.

No entanto, a declaração de Doha estava incompleta em um ponto essencial: os problemas dos países pobres sem capacidade de produção para usar esse mecanismo com eficácia.

Em 2003, um acordo temporário, confirmado no final de 2005, permitiu a introdução de uma isenção de direitos de propriedade intelectual que permitia aos países pobres afetados por doenças infecciosas graves - malária, tuberculose e aids - importar medicamentos genéricos se não pudessem fabricá-los.

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